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Teoria da Distância

Teoria da Distância 2

*Por Scarlete Carvalho Palma (advogada)

 

Uma das principais finalidades da marca é a sua distintividade: um signo poder se diferenciar e se destacar dos demais existentes no mesmo ramo de atuação e ficar gravado de forma positiva na memória de seus consumidores. A própria doutrina brasileira, em complemento a uma interpretação do artigo 122 da Lei da Propriedade Industrial (LPI), caminha nesse sentido ao elencar a distintividade, ao lado da novidade relativa e da originalidade, como requisitos essenciais para a registrabilidade de um sinal.

Logo, seria possível afirmar que, com base no pressuposto da distintividade, procede a premissa de que marcas semelhantes ou afins, destinadas ao mesmo setor e ao mesmo público-alvo não são registráveis? Não, pois a interpretação da distintividade também deve ser relativizada de acordo com o seu contexto intrínseco e extrínseco.

 

E, justamente em observância às nuances marcárias que o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha desenvolveu uma tese denominada “teoria da distância” (Abstandslehre), no ano de 1955, e que vem sendo aplicada até os dias atuais mundo afora, inclusive no Brasil. Nas palavras do doutrinador e jurista Lélio Schmidt, referida teoria “consiste no princípio segundo o qual a análise de colidência entre duas marcas deve levar em consideração o maior ou menor grau de distintividade que elas possuem, quando comparadas com as demais marcas já existentes em seu segmento”.

 

De imediato, extraem-se algumas informações importantes e inerentes dessa teoria:

  1. A análise entre as marcas ultrapassa a tradicional comparação binária (somente entre duas marcas, a saber, entre a marca anterior e a nova marca supostamente violadora) e avança para o espaço mercantil, ou seja, há análise do quadro geral de marcas semelhantes ou afins no mesmo setor, averiguando-se se a marca mais antiga já convivia com outras marcas de similar proximidade no mesmo nicho, bem como avalia-se a distância existente entre estas e a nova marca;
  2. Apesar do nome da teoria erroneamente induzir ao entendimento de que se trata de uma questão de distância geográfica, a sua aplicação em nada se confunde com espaços territoriais e a distância entre um estabelecimento e outro, em que pese a prolação de decisão equivocada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nesse sentido (AC 120306 SC 2008.012030-6);
  3. Ainda, relevante esclarecer que a teoria da distância pode ser aplicada não apenas no campo de marcas, mas também no âmbito de trade dress, além de estudos do tema sobre a ótica de indicações geográficas (pouco explorados).

No Brasil, o tema não é amplamente discutido na doutrina, mas observa-se uma crescente adoção da tese em diversos julgados dos principais Tribunais do país, de modo instintivo ou expressamente. Destaca-se a decisão unânime proferida pela 3ª Turma do STJ (REsp 1.819.060-RJ (2019/0093697-7), que negou provimento ao recurso especial da empresa titular da marca “ELLE” (revista de beleza) solicitando a anulação da marca “ELLE ELLA” (empresa de beleza) – a teoria da distância teve grande relevância no caso, com ênfase para o fato de “ELLE” tratar-se de vocábulo comum no setor e com baixa distintividade, e que por consequência, não configuraria violação direta ao direito de uso da marca.

 

Por sua vez, o próprio INPI coleciona decisões em respeito ao convívio harmônico de marcas semelhantes e afins no mesmo setor, com a declaração de “desgaste” dos elementos em embate, transbordando a esfera da análise binária comumente realizada pelos examinadores da autarquia. Em decisão administrativa de n.º 977221, de 25 de agosto de 2021, o INPI citou a teoria da distância de forma expressa, com a confirmação de que a marca “GIGANTES DOS MARES”, designada na classe 41, poderia conviver com outras marcas contendo expressões semelhantes ou afins, em nome de diferentes titulares, sem quaisquer prejuízos para as partes envolvidas ou riscos para o consumidor.

 

Em complemento, o tópico sobre marca de terceiro registrada das diretrizes do Manual de Marcas do INPI discorre sobre os elementos “desgastados”, considerados elementos comuns presentes em diversas marcas e, sob esse aspecto, “fica reduzida a possibilidade de confusão ou associação indevida entre os mesmos, já que é razoável supor que o público-alvo se encontra habituado à presença de tal elemento em marcas de diferentes produtores/fornecedores naquele segmento de mercado”. Ou seja, o consumidor possui maior sensibilidade para a diferenciação entre uma marca e outra nesses casos, como exemplificado abaixo.

Teoria da Distância 3Comparação binária de trade dress

Teoria da Distância 4

Comparação mercadológica de trade dress (de acordo com a teoria da distância)

 

Porém, tão importante quanto saber quando a teoria pode ser aplicada, é saber quando essa não se torna aplicável. Conforme enten#dimento exarado pela Desembargadora Liliane Roriz, não é possível utilizar-se dessa tese quando tratarem-se de marcas com elevado grau de reconhecimento e de marcas afamadas. Logo, possível concluir que as marcas alcançadas pela teoria são marcas banais, comuns e com um menor grau de distintividade, seja porque as suas expressões ou conjuntos são compostos por características essenciais, comuns na categoria, ou com maior ligação com os produtos e/ou serviços protegidos.

 

Assim, depreende-se que a teoria da distância é uma tese defensiva, baseada nos princípios da equidade, da igualdade e da livre concorrência, que implica no reconhecimento do próprio titular do ônus de convivência de sua marca com as demais semelhantes ou afins no mesmo nicho mercadológico, transcendendo a análise meramente binária e partindo para uma comparação mais realista.

 

REFERÊNCIAS:

ANDRADE, Gustavo Piva de. O Trade Dress e a Proteção da Identidade Visual de Produtos e Serviços. Revista da ABPI n.º 112, maio/junho de 2011.

CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, v. 2. 3. ed. São Paulo: Editora RT, 1982.

CESÁRIO, Kone Prieto Furtunato; CASTRO, Beatriz Vergala. Teoria da Distância na Análise de Colidência entre Marcas. Boletim ASPI n.º 46, abril/novembro de 2015.

CORREA, José Antonio Faria. Algumas Reflexões sobre a Teoria da Distância e a Teoria da Diluição. Revista da ABPI n.º 100, maio/junho de 2009.

SCHMIDT, Lélio Denicoli. A Distintividade das Marcas: secondary meaning, vulgarização e teoria da distância. São Paulo: Saraiva, 2013.