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A discussão sobre a inconstitucionalidade da flexibilização dos prazos de vigência das patentes

vigência das patentes

*Por Fábio Lima Leite

A Lei da Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/96) estabelece, em seu artigo 40, “caput”, o prazo de vigência das patentes de invenção em 20 anos e o de patentes de modelo de utilidade em 15 anos contados da data do depósito, ou seja, do requerimento realizado perante a Autarquia competente.

Como a toda regra se aplica uma exceção, entre em cena o parágrafo único do mesmo artigo citado, o qual prevê possibilidade de extensão dos referidos prazos, de modo que o tempo de proteção não será menor que 10 anos para as patentes de invenção ou menor que 7 anos para as patentes de modelo de utilidade, ambos contados da data da concessão do privilégio.

A inserção desta exceção foi motivada em razão do atraso na análise dos pedidos de patente pelo INPI (backlog) e sua finalidade precípua era a de evitar prejuízos para o titular, de modo que o tempo de análise do pedido de patente não poderia, diante desta possibilidade de extensão do prazo, prejudicar a exploração econômica da criação pelo inventor.

As discussões sobre o backlog do INPI, ou seja, sobre o atraso na análise dos pedidos de patente, bem como acerca da previsão contida no parágrafo único do artigo 40 não são recentes.

Em 18/04/2013 foi apresentado, na Câmara dos Deputados, o projeto de Lei n.º 5420/2013, que foi proposto com a finalidade de alteração na Lei da Propriedade Industrial e uma das suas previsões era a exclusão do parágrafo único do artigo 40, com vistas a atender “o interesse social em acessar a tecnologia patenteada tão logo os 20 anos de vigência” expirassem. A justificativa para tanto seria de que não se poderia estender o prazo, em detrimento do interesse público, por simples ineficiência do próprio INPI durante a análise dos pedidos de patente.

Referida proposta de alteração legislativa fora apensada a outro projeto de lei – PC 139/1999 – que também busca alterar dispositivos da Lei da Propriedade Industrial – que aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Posteriormente, em 04/11/2013, foi intentada perante o Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5061/DF, proposta pela Associação Brasileira das indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades – Abifina, que restou, em outubro de 2017, não conhecida por ilegitimidade ativa ad causam, em virtude de a Requerente não constar no rol taxativo de legitimados à propositura de ações de controle de constitucionalidade.

A ação em questão possuía como escopo principal atacar a constitucionalidade do artigo 40, § único, da Lei da Propriedade Industrial, sob o aspecto de que as suas disposições contrariariam dispositivos constitucionais, mais precisamente, artigos 1º, IV, 3º, II, 5º, XXIX, XXXIV, XXVI, LXXVIII, 37 caput e § 6º, 170 caput e seus incisos III, IV e V, além de seu parágrafo único, 173, § 5º e 219, da Carta Magna brasileira, uma vez que manter a possibilidade de dilação do prazo pelo atraso na análise dos pedidos de patente seria um desestímulo à atividade econômica e progresso tecnológico, pois retardaria a incidência do domínio público.

Em uma das alegações, observa-se a seguinte justificativa:

“Nesta hipótese resta inviabilizado aos terceiros (não-titulares) ingressarem no mercado, ou adquirirem os produtos de terceiros, dirigirem investimentos, visto que não é possível a previsão certeira do domínio público. Em especial na seara farmacêutica, é possível se verificar que o prazo de extensão pode variar de 01 até mais de 60 meses (…)”

Considerando o fato de que referida ação restou inadmitida pela Corte Suprema, o Procurador-Geral da República, investido na competência que lhe cabe por disposição constitucional, intentou nova Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI/5529, em 13 de maio de 2016.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 5529 apresenta alguns pontos lesivos do atraso na análise dos pedidos de patente (backlog), dentre eles, o desestímulo para o avanço tecnológico, já que inibe atividades de pesquisa e desenvolvimento “devido à incerteza decorrente da proteção provisória reconhecida a partir do requerimento”, ou seja, não se sabe ao certo se a patente será concedida ou não. Ressalta, ainda, que o backlog gera resultado negativo sobre o mercado e consumidores, pois colabora com o aumento de preços, inibição da concorrência e redução da variedade de produtos. Conforme o estudo da London Economics, mencionado na ADI,

“(…) cada ano de proteção provisória (pendency) tem impacto negativo na economia global de aproximadamente £ 7,6 bilhões (cerca de R$ 38,13 bilhões), dos quais £ 6 bilhões (R$ 30,1 bilhões) a título de redução do incentivo à inovação, £ 0,4 bilhão (R$ 2 bilhões) de requerimentos não patenteáveis adicionais e £ 1,1 bilhão (R$ 5,51 bilhões) resultante do poder monopolístico referente a requerimentos não patenteáveis.”

Seguindo este raciocínio, e considerando o tempo de análise dos pedidos de patente, que por si só gera resultados negativos, a ADI busca traçar um raciocínio paralelo acerca da impossibilidade (portanto inconstitucionalidade) de extensão do prazo de proteção da patente após ser concedida.

Portanto, se o próprio atraso na análise gera resultados negativos, o prolongamento do prazo de vigência não poderia ser diferente, já que conforme menciona a ADI,

“A inexistência de termo certo a partir do qual os concorrentes poderão explorar o produto objeto da patente impede a previsibilidade e estabilidade necessárias à atuação no mercado, o que compromete a realização de investimentos e o desenvolvimento tecnológico e científico.” 

Nesse sentido, em linhas gerais, a matéria tratada na ação em questão busca traçar um parâmetro demonstrativo de que a demora, seja no atraso da análise dos pedidos de patente, seja com relação ao termo final de vigência – que restará estendido justamente em virtude do backlog – traz efeitos negativos para o avanço tecnológico nacional, impactando a tomada de investimentos, desestimulando a pesquisa e desenvolvimento e possibilitando a criação de monopólios até mesmo acerca de requerimentos não patenteáveis.

Assim, tal demanda visa obter a declaração de inconstitucionalidade do artigo 40, § único da Lei da Propriedade Industrial, de modo que seja impossibilitada a prorrogação do prazo de proteção das patentes de invenção e modelos de utilidade.

Observando-se as discussões e fundamentos jurídicos que amparam o requerimento acerca da inconstitucionalidade do artigo 40, § único da Lei da Propriedade Industrial, constata-se que o maior dos problemas é, de fato, o atraso na análise dos pedidos de patente, o que não ocorre apenas a nível nacional, mas também se manifesta em outros países. 

Deste modo, a inserção de uma previsão legal que estendesse o prazo de proteção para a patente, considerando que a conclusão do processo administrativo é morosa, também possui um fundo protetivo ao próprio criador, que não poderá ser prejudicado em virtude da delonga na análise do seu pedido de patente.

Nesse sentido, em que pese o fato de o artigo 40, § único estender o prazo de vigência da patente, prolongando a incidência do domínio público, fato é que o inventor também deve ser resguardado, não podendo este ser penalizado pelo atraso do ente público na análise das patentes.

Sendo assim, declarar a inconstitucionalidade do artigo 40, § único da Lei da Propriedade Industrial, sem solucionar o atraso na análise dos pedidos de patente, seria transferir a responsabilidade que, por regra é da instituição pública que analisa as patentes, à sociedade, em especial, aos inventores, que deveriam suportar o ônus do backlog mesmo sabendo que, após ser concedida, a patente teria poucos meses de vida útil.

Além disso, vale ressaltar que a declaração de inconstitucionalidade do artigo 40, § único, da LPI não fará com que as patentes sejam analisadas com mais rapidez, já que a inconstitucionalidade deste artigo não resolve o problema do backlog, e pode provocar uma instabilidade nos requerimentos de patente, revelando-se como um desincentivo ao requerimento de novas proteções, de modo a gerar um efeito colateral que também prejudicará a evolução tecnológica.

Diante deste cenário que possui um forte contraste entre os prós e contras, resta aguardar a definição final do STF acerca da inconstitucionalidade do artigo 40, § único da Lei da Propriedade Industrial para, após, avaliar os impactos da decisão vindoura.