*Por Débora Feliciano Savino
A Covid-19 compreende uma doença nova que não possui terapia aprovada para prevenção ou tratamento, declarada uma Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional pela Organização Mundial da Saúde.
Em razão do alto número de afetados e mortos, exige emergente descobrimento de uma intervenção terapêutica. Muitas iniciativas vêm sendo adotadas, como vimos em artigos anteriores, não só pelas grandes indústrias farmacêuticas, mas também pelas startups, responsáveis por muitas das soluções tecnológicas que ganharam visibilidade durante esse momento, quanto pelas universidades, seja no desenvolvimento de testes diagnósticos ou respiradores, e pelas indústrias mecânicas.
Todas as iniciativas anteriormente discutidas podem ser beneficiadas pela Propriedade Industrial: na área médica, especificamente na indústria farmacêutica, vemos grandes esforços no desenvolvimento de um medicamento que possa curar a doença causada pelo novo coronavírus, a Covid-19, processo que pode ser abreviado utilizando a estratégia de repurposing, ou reposicionamento de fármacos, em que um fármaco já aprovado para uma doença é testado para comprovação de eficácia frente a uma nova doença.
A Lei da Propriedade Industrial (LPI), em seu art. 10 (VII) não permite que métodos de tratamento sejam patenteados no Brasil. Entretanto, dependendo dos aspectos descritos no pedido de patente de um composto químico, pode-se prever a proteção ao uso do composto na preparação de um medicamento para o tratamento de uma determinada doença, uma estratégia de redação de reivindicação chamada de “fórmula suíça”. Tendo em vista essa estratégia de redação, o repurposing permite o depósito de uma patente de 2° uso médico, que protege a nova aplicação terapêutica de um produto já conhecido como medicamento. A patente de 2° uso médico, assim como qualquer outra patente, também precisa cumprir com os três requisitos de patenteabilidade previstos pela LPI, sendo a Novidade aferida pela aplicação do composto em um quadro clínico diferente daquele previsto pelo estado da técnica, e a atividade inventiva sendo aferida por um novo mecanismo de ação, por exemplo. Para este tipo de patente, aconselha-se a inserção de testes de eficácia in vivo e in vitro, que comprovem a atividade no combate à nova doença.
Ainda na indústria farmacêutica, mas agora falando sobre o desenvolvimento de vacinas, o que temos observado nesse período é o grande número de parcerias, geralmente entre um centro de pesquisa e/ou ensino e uma indústria, com o objetivo de unir a capacidade técnica e a gênese das tecnologias, provenientes dos institutos de ensino e/ou pesquisa, com a possibilidade de materialização das pesquisas em um produto ou processo inovador, que pode trazer grandes benefícios à sociedade. Neste aspecto, os frutos gerados por estas parcerias pode gerar um (ou mais) pedidos de patente depositados em cotitularidade, ou seja, existe mais de um depositante/titular do pedido em questão. Desta forma, tanto os institutos de pesquisa, quanto a Indústria envolvida podem se beneficiar dos direitos conferidos pela patente.
O cenário do desenvolvimento de vacinas contra o novo coronavírus ainda nos permite observar um outro aspecto importante da Propriedade Industrial dentro do processo de inovação, como no caso da utilização de tecnologias desenvolvidas por terceiros por licenciamento voluntário, quando o detentor da patente de uma determinada tecnologia a oferece para que um terceiro a produza, mediante pagamento, ou por meio de transferência de tecnologia, possibilidade existente no caso da vacina desenvolvida pela Oxford e AstraZeneca para a Fiocruz. Tanto a transferência, quanto o licenciamento também podem ser observados no caso de pequenas empresas, ou laboratórios de pesquisa, que desenvolveram respiradores mais baratos para suprir a demanda de equipamentos hospitalares necessários nos casos graves da doença, ou no caso das grandes indústrias que alteraram suas plantas para a produção e manutenção dos equipamentos já existentes.
A Propriedade Industrial, assim, além de proteger o titular de terceiros que possam utilizar sua invenção com fins comerciais, sem o seu consentimento, permite o desenvolvimento tecnológico e econômico do país ao possibilitar a criação de redes de colaboração, por meio das parcerias, e que novas tecnologias entrem no mercado e se tornem acessíveis ao público por meio do licenciamento e da transferência de tecnologia.