Em 10 de março de 2020, entrou em vigor a RDC 327/2019, editada em 11 de dezembro de 2019, pela qual a ANVISA estabeleceu regras para comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais de uso humano.
A RDC permitiu que empreendedores à margem, ou seja, aqueles que prestam serviços auxiliares, enxergassem no cannabusiness uma oportunidade de negócio lucrativa. Diz-se isso pois, para o pequeno empreendedor, é impossível jogar de igual para igual com as poderosas indústrias farmacêuticas, não apenas por seu poder aquisitivo, mas por estarem mais propícias e preparadas para as exigências e burocracias do negócio.
Considerando que a RDC terá, a princípio, validade de 3 anos, estima-se que, caso o Brasil se livre das longínquas amarras do preconceito e desinformação, o Brasil consiga movimentar, no período, mais de R$ 4 bilhões.
Mas a partir do momento que se enxerga uma oportunidade real e promissora de negócio, como ficam as questões atinentes à propriedade intelectual? Bem, até meados de 2019, era comum pedidos de registro de marcas compostas por expressões como weed, cannabis, hemp, marijuana, entre outras, serem indeferidos pelo INPI, com base no disposto no art. 124, III da Lei No. 9.276/96, a LPI, que reza:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
(…)
III – expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respeito e veneração;
A partir da entrada em vigor da RDC 237/2019, o INPI passou a aceitar e conceder registros de marcas relacionadas à cannabis, especialmente nas classes destinadas a serviços. Ainda se observava, no entanto, resistência do órgão na concessão de registros de marcas de produtos referentes a esses temas.
Nesse contexto, em 08/10/2018 foi proposta perante a 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro uma ação judicial pela qual a Requerente, titular dos pedidos de registro Nos. (i) 907036350, para a marca nominativa “BRAZILIAN CANNABIS”, depositado em 21/11/2013, na classe NCL (10) 05, para assinalar “tabaco (cigarros sem -), para uso medicinal”, e (ii) 906549701, para a marca nominativa “BRAZILIAN MARIHUANA”, depositado em 25/07/2013, igualmente na classe NCL(10) 05, desta vez para assinalar “ervas (chá de -) para uso medicinal; ervas para fumar para uso medicinal; ervas para infusão medicinal”, visando a reforma da decisão de indeferimento, pelo INPI, de ambos os pedidos, com base no art. 124, III, LPI, outrora citado.
Ao julgar a demanda, o Magistrado consignou a impossibilidade de indeferimento dos registros com fundamento na argumentação de que as expressões CANNABIS e MARIHUANA seriam potencialmente ofensivas à moral e aos bons costumes.
Considerando, no entanto, seu entendimento de que as marcas seriam desprovidas de suficiente distintividade e, portanto, de uso comum, decidiu não ser possível a reivindicação de seu uso exclusivo. Nesse passo, julgou improcedente a demanda, mas com fundamento no inciso VI do supracitado dispositivo legal, que veda o registro de “sinais de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva”.
Inconformada, a Requerente interpôs o Recurso de Apelação, ao qual foi negado provimento.
A decisão, no entanto, ao afastar o entendimento de que as expressões CANNABIS e MARIHUANA seriam potencialmente ofensivas à moral e aos bons costumes e, portanto, impassíveis de registros, alterou a forma que esses pedidos fossem apreciados pelo INPI, o qual passou a examiná-los além da proibição contida no inciso III do art. 124 da LPI.
Exemplificativamente, cita-se o indeferimento do registro No. 918801265 para a marca nominativa CANNABIS, depositado em 03/12/2019, na classe NCL(10) 05, para assinalar “Comprimidos para uso farmacêutico; Elixires [preparações farmacêuticas]; ésteres para uso farmacêutico; extratos de plantas para fins farmacêuticos; lêvedo para uso farmacêutico; loções para uso farmacêutico; pastilhas para uso farmacêutico; preparações farmacêuticas; preparações farmacêuticas para cuidar da pele; preparações químicas para uso farmacêutico; preparações químico-farmacêuticas; produtos farmacêuticos; xaropes para uso farmacêutico”, não com base no supracitado inciso III, mas com fundamento no inciso VI do mesmo diploma legal, conforme publicado na revista RPI No. 2579.
Tal posicionamento é reflexo de uma nova realidade, com foco numa visão macro da cannabis, indústria essa que pode produzir mais de 25 mil produtos, como alimentos, artigos de vestuário, cosméticos, materiais de construção, biocombustíveis e serviços, como fintechs, assessoria jurídica, consultoria de telemedicina, aceleradoras de startups, entre outros.