*Por Débora Feliciano Savino
Sempre se diz que as maiores inovações acontecem durante uma crise. Foi assim com o estudo de localização, utilizando-se de satélites, inicialmente desenvolvido para auxiliar em estudos de estratégias militares e que, hoje em dia, pode ser utilizado em computadores e celulares civis.
O cenário é a Guerra Fria, a conhecida polarização do mundo liderada, de um lado, pela União Soviética e, de outro, pelos Estados Unidos, em que se deu a corrida armamentista e a corrida aeroespacial.
Em 1957, a União Soviética lançou o satélite Sputnik I, marcando o início dos estudos da localização utilizando-se de ondas emitidas pelo satélite para a superfície da terra, combinadas com as coordenadas geográfica.
Mas, apesar do pioneirismo soviético nos estudos de localização, foi o departamento de defesa dos Estados Unidos que colocou o projeto em prática, dando origem ao que, hoje, conhecemos como GPS (Global Positioning System).
Na área da saúde não é diferente: os primeiros antibióticos foram desenvolvidos em épocas em que a sífilis, as infecções estafilocócicas, meningites e outras infecções bacterianas, dependendo de sua extensão, eram equivalentes a receber uma sentença de morte, não importando a classe social dos afetados. A forma mais eficaz de prevenção a diversas doenças também surgiu da necessidade de interromper o contágio de uma doença infecciosa.
A varíola foi responsável por inúmeras epidemias no curso da história humana e, desde a década de 80, é considerada uma doença erradicada pela Organização Mundial da Saúde.
O status de doença erradicada só foi possível pois, em uma das epidemias da doença que assolou a Europa, Eduard Jenner observou que leiteiras, frequentemente em contato com as feridas de vacas infectadas pela variante bovina da doença, não desenvolviam a forma grave que afetava os humanos.
Com isso, efetuou-se a primeira inoculação de vírus: material coletado das feridas de leiteiras infectadas foi inoculado em feridas feitas na pele de pessoas saudáveis. Após a inoculação, observou-se que as pessoas não desenvolviam formas graves da doença, ou não a desenvolviam de forma alguma. E assim criou-se a vacinação.
Não é que o mundo ficou órfão de inovações na área médica entre o desenvolvimento da primeira vacina, em 1789 e dos antibióticos, já em 1920/1930, ou que após o término do desenvolvimento do GPS, em meados da década de 90, o mundo da tecnologia e comunicação ficou estagnado.
Pelo contrário, diversas soluções disponíveis foram idealizadas décadas atrás e passaram por inúmeras alterações até chegar nos produtos e processos utilizados atualmente. Mas é seguro dizer que o elemento de incentivo à criação de tais soluções não era fruto de uma emergência.
A pandemia do novo coronavírus impulsionou diversas inovações, voluntárias ou não, nas mais diversas áreas. É de se esperar, entretanto, que o maior impacto seja observado na área da saúde, visto se tratar de uma doença infecciosa, ainda, cercada de diversas dúvidas.
Já falamos em uma série de posts anteriores sobre as possibilidades de inovação, inclusive na área de engenharia, na possibilidade de cooperação, transferência de tecnologia e desenvolvimento de um novo tratamento/prevenção, mas agora temos alguns dados de como, efetivamente, se deu a inovação em 2020, especificamente no que se relaciona com o depósito de patentes.
Segundo o relatório elaborado pelo Escritório Europeu de Patentes (EPO), em conjunto com a Clarivate, invenções relacionadas às tecnologias em saúde tiveram um crescimento de 3% e figuram na principal categoria de pedidos de patente depositados no órgão em 2020, freando o crescimento do número de depósitos de pedidos de patente relacionados à comunicação digital.
Dentro do campo das tecnologias em saúde, destacam-se as inovações referentes a fármacos e à biotecnologia, que tiveram um aumento de 10% e 6%, respectivamente, no número de depósitos.
Apesar da diminuição no número global de depósitos no EPO, comparado ao ano de 2019, mais de 180 mil patentes foram depositadas, sendo os Estados Unidos o principal depositante, seguido por Alemanha, Japão, China, que se destaca pelo alto número de patentes relacionadas à biotecnologia, e França.
É difícil prever se a tendência no aumento dos depósitos de patente relacionados a tecnologias em saúde vai se manter durante os próximos anos, ou se as inovações serão direcionadas a outras áreas tecnológicas.
Fato é que a pandemia tornou possível o desenvolvimento e estudos clínicos de diversas vacinas em menos de um ano, processo que geralmente demora décadas, justamente pelo fato de a inovação em períodos não pandêmicos ter permitido a criação de metodologias de estudo do genoma viral, por exemplo, facilitador na concepção de vacinas que utilizam o RNA mensageiro do vírus.
Apesar do início da vacinação contra Covid em nível global, ainda não existe tratamento específico para a doença, o que dificulta o manejo dos pacientes que necessitam de atenção médica e direciona os esforços inovativos, seja no depósito de pedidos de patentes de novas moléculas, seja no depósito de patentes de segundo uso terapêutico.