Durante muito tempo o jurídico foi mantido como uma área à parte para as companhias, como se fosse um departamento estanque, apartado de todas as outras questões do negócio, como o marketing dos produtos, estratégias de produção etc.
Não à toa, o jurídico já foi visto, e ainda é em alguns espaços, como um empecilho à realização dos objetivos e metas das organizações, visão que, felizmente, vem se modificando.
Por essa razão, o jurídico era um personagem a ser lembrado apenas quando o problema já estava posto, o que do ponto de vista empresarial parece ser algo incoerente, na medida em que, quando o problema se instala, com ele já estão os prejuízos.
Contudo, é de se observar que, não raro, tais problemas poderiam ter sido evitados com uma integração jurídico-empresa a fim de promoverem um trabalho de prevenção.
Um exemplo corriqueiro de situações que poderiam ter sido evitadas são, no meio industrial, as ações que acarretam liminares ou mesmo decisões definitivas no sentido de proibir o empresário de produzir determinado produto.
Em situações como essas as consequências negativas são claras: para o produto chegar à produção efetiva, foram promovidos gastos em marketing, pilotos, e até mesmo em adaptação de maquinário, o que significa relevante investimento de capital financeiro e humano.
É por essa razão que, durante os projetos para produção de algum produto, bem como durante o período de sua execução, a presença do jurídico não é só importante, mas essencial para aferição de riscos (presentes e futuros) conjuntamente com as outras áreas atuantes na cadeia de produção.
E, voltando-se para área de propriedade intelectual, como terá o empresário projeção de seus riscos sem acompanhamento especializado de elementos essenciais ao seu negócio como a marca que usa, as patentes e/ou desenhos industriais, todos esses itens verdadeiros ativos financeiros?
Como exemplo, apresentamos o caso de fabricante de determinado produto com forma plástica ornamental específica.
Ao longo de sua produção, foi verificado que havia junto ao INPI pedido de registro de Desenho Industrial (DI) com características semelhantes.
Ou seja, foi verificado risco o qual precisaria de análise técnica-jurídica para que fosse dada a exata dimensão e os passos necessários a fim de agir frente alguma consequência contemporânea e já prevendo as possíveis consequências futuras.
Como consequência futura, pode-se elencar a possibilidade de tentativa de interpelação por parte do titular do pedido de registro de Desenho Industrial no sentido de impedir a continuidade da fabricação do produto.
Nesse sentido, a análise técnica é importante, na medida em que, como é cediço na área de Propriedade Intelectual, os pedidos de Desenho Industrial passam somente pela análise formal de admissibilidade para sua concessão, ou seja, o INPI não analisa a adequação material do Desenho Industrial [1], exigindo apenas que as regras procedimentais tenham sido cumpridas para que se conceda o registro.
Nessa perspectiva, a probabilidade de concessão do pedido de registro de DI era grande, de maneira que teria a outra parte embasamento legal relevante para impedir a continuidade da produção.
Em análise preventiva, quando se trata de Desenho Industrial é, portanto, essencial a verificação da possibilidade ou não de registro caso fosse feito a análise de adequação material para o seu registro.
No caso em questão era evidente: o produto era há muito tempo fabricado e, ainda, a forma ornamental não se mostrava original, sendo comum no mercado.
Diante disso, para que continuasse produzindo com segurança, a ação recomendada foi de monitoramento tanto de eventuais ações judiciais que pudessem ser apresentadas, como do Desenho Industrial em seu processo administrativo.
Explica-se: apesar de sabermos que, na discussão de mérito o desenho industrial seria muito provavelmente anulado, a existência de registro nesse meio tempo de discussão poderia gerar decisão liminar em sede de ação judicial, interrompendo a produção do cliente o que ocasionaria prejuízos absolutamente indesejados.
Com a simples medida de acompanhamento preventivo, verificou-se a distribuição de ação judicial antes de qualquer citação da cliente, dando tempo para a preparação dos cenários (com e sem concessão de liminar) ao mesmo tempo em que, no processo administrativo, sabendo-se da prerrogativa do art. 113, §2º da Lei 9.279/96 [2], tão logo fosse concedido o registro, esse seria suspenso em função de apresentação de nulidade.
O resultado foi que a cliente nunca precisou interromper a fabricação de seus produtos, o que fazia de maneira absolutamente legítima.
E mesmo sofrendo ação judicial para interrupção da produção dos produtos que possuíam a forma plástica do Desenho Industrial recém concedido para o autor da ação.
Isso porque, inviabilizou-se a liminar posto a suspenção do efeito do registro do DI pelo INPI em função de pronta apresentação de processo administrativo de nulidade, o que retirou o requisito de verossimilhança do direito necessário à tutela de urgência.
E esse é apenas um exemplo de análise preventiva simples aos olhos do especialista de Propriedade Intelectual, mas que passaria muito longe da obviedade para outros departamentos da empresa.
Ocorre que atos como esse podem evitar enormes prejuízos à empresa, sendo uma prevenção que colabora para o andamento seguro das atividades empresariais a qual se realiza a partir de uma postura proativa do jurídico aliado ao diálogo com o seu cliente a fim de entender suas necessidades e os riscos que mais interessam sejam administrados.
[1] De acordo com o art. 95, LPI: Considera-se desenho industrial a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.
[2] Art. 113. A nulidade do registro será declarada administrativamente quando tiver sido concedido com infringência dos arts. 94 a 98.
Fonte: Carolina Mansinho