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Propriedade Intelectual e a aceleração da inovação em tempos de Pandemia

Propriedade Intelectual e a aceleração da inovação em tempos de Pandemia 2

*Por Débora Feliciano Savino

Estamos iniciando, a partir desse post, uma série de pequenos artigos que elucidará as ações que vem sendo adotadas pelos diversos entes públicos e privados visando acelerar o fluxo dos processos de inovação durante pandemias e situações emergenciais, especialmente nas áreas mecânicas e fármacos, e como a Propriedade Intelectual pode influenciar os novos cursos dos processos.

A inovação é o resultado de um longo processo de desenvolvimento tecnológico, independente do campo em que se deseja aprimorar, e é, de forma mais comum, definida pela abordagem de “solução e problema”, em que tanto a solução quanto o problema (dependendo da definição de “problema”) podem constituir a inovação.[1]

Na área médica, especificamente na área farmacêutica, o desenvolvimento de uma nova terapia envolve etapas desde o descobrimento (identificação e produção) de novas substâncias com potencial uso médico, otimização (processo de modificação sintética das novas substâncias estudadas), desenvolvimento (voltado à otimização do processo de produção e estudos das propriedades destas novas substâncias) e, por fim, a etapa dos testes pré-clínicos e clínicos, fase em que a nova substância terá seus efeitos benéficos, sua segurança e os potenciais efeitos adversos avaliados. Todo esse processo de desenvolvimento pode demorar de 10 a 15 anos, sendo que dentre as 5000 a 10000 moléculas testadas, apenas uma chega a ter a aprovação para ser vendida nas farmácias, como é o caso do Viagra®, que teve seu processo de estudo começado em 1986 e obteve a aprovação do Food and Drug Administration (FDA) em 1998[2].

Para além desse cenário de necessária morosidade, torna-se óbvia a importância da interdisciplinaridade, uma vez que é necessário compreender as vias metabólicas e biológicas que regem os estados de saúde/doença, assim como é necessário ter conhecimentos de química e síntese orgânica para as etapas de otimização e desenvolvimento.[3][4][5]

Por consequência, os investimentos na área de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) das indústrias farmacêuticas não refletem o número de novos medicamentos que efetivamente chegam ao mercado: muitas das moléculas estudadas são abandonadas nos estágios finais de desenvolvimento devido a problemas de toxicidade metabólica e segurança, o que faz com que os que chegam às prateleiras das farmácias apresentem um custo, geralmente, elevado, como uma tentativa de reaver os gastos envolvidos neste processo.[6]

Na área mecânica, o processo pode ser pouco mais ágil: identifica-se uma necessidade ou um desejo atrelado ao objeto do negócio; passa-se para a fase de desenvolvimento, tentativas e testes, implementação do protótipo ou projeto piloto até a total implementação. Assim, quando um projeto de um equipamento é pensado, compreende a engenharia de produto, que envolve questões como a funcionalidade, o material que será utilizado para a fabricação desse equipamento e as suas características, dimensionamentos e acabamentos. Após, faz-se necessário pensar na engenharia de processo, etapa em que a forma de tornar o equipamento uma realidade é colocada em prática. Nesta fase, o projeto do equipamento pode, eventualmente, sofrer alterações devido ao processo produtivo. Depois da definição das etapas de produção, em que temos um equipamento pronto, tem lugar a engenharia de qualidade, na qual a avaliação de todas as características definidas no projeto é feita, sempre seguindo determinados protocolos de segurança e eficiência do equipamento produzido.

Uma forma de reaver os custos do desenvolvimento de uma nova criação é o depósito de pedidos de patentes que, quando concedidos, conferem ao titular o direito de excluir terceiros da exploração comercial do que foi protegido por tempo determinado e compreende um importante incentivo ao desenvolvimento tecnológico e fomento à indústria.[7]

Todo esse cenário, entretanto, sofre uma reviravolta com o surgimento de uma situação de saúde pública emergencial, que gera tanto oportunidades como desafios no desenvolvimento de soluções rápidas de controle e cura de uma nova doença, tal qual a atual pandemia do novo coronavírus, causada pelo vírus Sars-Cov-2 (2019-nCov)[8].

Essa é uma janela de oportunidade para o desenvolvimento de um novo tratamento, uma vez que se trata de uma nova doença e para o desenvolvimento de vacinas, mas também para o desenvolvimento de novas tecnologias em outros segmentos, como a engenharia, por meio do desenvolvimento de novos respiradores que sejam de fácil produção para o suprimento das necessidades hospitalares.

O grande acelerador para inovação nessa situação de urgência é a necessidade premente, que gera uma maior disponibilização de recursos financeiros, por exemplo, bolsas de pesquisa; disponibilização de recursos humanos, assim como disponibilização de conhecimentos, antes mantidos em sigilo.

A exemplo, vale mencionar a ação proposta pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que lançou uma chamada pública que destinará R$ 50 milhões a projetos de pesquisa e inovação feitos em Instituições Tecnológicas de Inovação (ICTs), que conta com o apoio da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Inova Talentos.[9] Um apoio diferente aos pesquisadores envolvidos em soluções para o enfrentamento da Covid e as suas consequências foi feito pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG)[10], pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS), que busca incentivar pesquisas feitas pelas universidades federais do Estado[11], pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP)[12], entre outras agências de fomento[13].

No entanto, além desse conjunto de esforços, é importante conhecer alguns atalhos fornecidos pelo sistema de propriedade intelectual que podem ajudar muito a aceleração do processo.

Dentro da indústria farmacêutica, a corrida por um novo tratamento ocorre, principalmente, utilizando-se da estratégia do reposicionamento de fármacos, que compreende o uso de um fármaco já aprovado para uma doença, em outra, o que reduz o tempo de desenvolvimento, por tratar-se de um medicamento que já percorreu todas as fases deste processo e só precisa se mostrar efetivo à nova doença.

Ademais, o Cietec (Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia) da Universidade de São Paulo, está incubando startups que criaram ou adaptaram seus projetos para suprir a atual demanda, como é o caso do desenvolvimento de tecnologias que otimizam o uso de ventiladores pulmonares na UTI, e a produção de equipamentos de proteção e componentes hospitalares[14].

Vamos visitar as iniciativas que estão sendo empregadas para acelerar o processo de inovação nessa situação de pandemia e entender como a Propriedade Intelectual pode ajudar. Não perca nossas próximas postagens!

 

Referências

[1] Bennani, Y. L. Drug Discovery in the next decade: innovation needed ASAP. Drug Discovery Today, v. 175, p. 31-44, 2012.

[2] Goldstein, I., et al. The Serendipitous Story of Sildenafil: An Unexpected Oral Therapy for Erectile Dysfunction. Sexual Medicine Reviews, v. 7, p. 115-128, 2019.

[3] Guido, R.V.C; Andricopulo, A. D.; Oliva, G. Planejamento de fármacos, biotecnologia e química medicinal: aplicações em doenças infecciosas. Estudos Avançados, v. 24, p. 81-98, 2010.

[4] Barreiro, E. J.; Fraga, C. A. M. A questão da inovação em fármacos no Brasil: proposta de criação do programa nacional de fármacos (PRONFAR). Química Nova, v. 28, p. 56-63, 2005.

[5] Barreiro, E. J. A química medicinal e o paradigma do composto protótipo. Revista Virtual de Química, v. 1, p. 26-34, 2009.

[6] Reis, C.; Landim, A.; Pieroni, J. P.. Lições da experiência internacional e propostas para incorporação da rota biotecnológica na indústria farmacêutica brasileira. BNDS Setorial, v. 34, p. 5-44, 2013.

[7] Lei No. 9279 de 14 de Maio de 1996: Lei da Propriedade Industrial.

[8] Rome, N. B.; Avron, J. Drug evaluation during the Covid-19 Pandemic. The New England Journal of Medicine. DOI: 10.1056/NEJMp2009457, 2020.

[9] Disponível em <https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/saude-e-qualidade-de-vida/cnpq-oferece-r-50-milhoes-para-projetos-de-pesquisa-no-combate-a-covid-19/>

[10] Disponível em <http://www.facev.org.br/mapeamento-de-icts-com-projetos-para-o-enfrentamento-a-covid-19/>

[11] Disponível em <http://www.facev.org.br/mapeamento-de-icts-com-projetos-para-o-enfrentamento-a-covid-19/>

[12] Disponível em <https://www.cti.gov.br/pt-br/noticias/oportunidade-fapesp-e-finep-ir%C3%A3o-financiar-pesquisas-para-o-combate-ao-coronav%C3%ADrus>

[13] Disponível em <http://www.int.gov.br/noticias/embrapii-amplia-financiamento-para-projetos-voltados-a-combate-ao-covid-19>

[14] Disponível em <https://jornal.usp.br/ciencias/startups-ligadas-a-usp-criam-solucoes-para-ajudar-na-contencao-da-covid-19/>