*Por Fábio Lima Leite (sócio e advogado de patentes)
Este foi o posicionamento do ex procurador dos Estados Unidos para o Distrito Norte da Geórgia e atual presidente da Suprema Corte da Geórgia, David E. Nahmias, quando analisou o caso envolvendo os réus Joya Williams e Ibrahim Dimson, condenados, respectivamente, em 8 e 5 anos de prisão, mais o pagamento de indenização estimada em $ 40,000 para cada um por violarem o segredo industrial da Coca Cola.
Tudo começou quando Joya Williams, assistente administrativa da Coca Cola, resolveu oferecer, juntamente com um co-participante, à concorrente da empresa em que trabalhava, alguns documentos que acreditava serem valiosos. Sua intenção era receber uma considerável quantia em dinheiro pela divulgação dos documentos que indubitavelmente continham segredo industrial.
Não contava ela, contudo, que o ato praticado seria levado ao conhecimento da Coca Cola pela própria concorrente da empresa – PepsiCo (Pepsi) – fazendo com que uma investigação fosse iniciada pelo FBI e, futuramente, resultasse em um processo condenatório para ambos os acusados.
Este é apenas um dos variados casos ocorridos mundo afora acerca da violação do segredo industrial. Mas, ao tratar desse tema, como podemos protegê-lo e qual a sua relação com a patente? Seria possível dizer que entre a patente e o segredo industrial existe uma antinomia, ou seja, são institutos contraditórios, que se contrapoem?
Necessário entender, nesse sentido, que a patente protege uma invenção de caráter industrial, que deve obedecer alguns requisitos definidos pela Lei da Propriedade Industrial, como novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Presume-se, com isso, que a patente se aplica para um produto possível de ser fabricado industrialmente.
A patente é, ainda, a outorga de uma proteção em razão da expedição de um documento, denominado carta patente, e que possui prazo de validade, isto é, o inventor possui, pela lei, um período específico durante o qual poderá explorar economicamente o objeto de sua criação. Uma vez findado este período, o objeto da patente torna-se domínio público.
Daí verifica-se a primeira diferença entre a patente e o segredo industrial.
A patente revela ao público o teor da invenção, como ela funciona, qual o seu objetivo e sua aplicação. A publicidade que a patente proporciona gera o avanço tecnológico e possibilita que aquilo outrora patenteado seja estudado, melhorado, aperfeiçoado, dando origem, assim, a novos pedidos de patente que, por conseguinte, seguirão o mesmo destino: obtém-se a proteção, possibilitando-se a exploração exclusiva do objeto por determinado período de tempo, até que, finalizado este período, a proteção se esgota, o produto torna-se domínio público e outros interessados a explorarão, até que, pelo caminhar natural do processo, aquela tecnologia passe a ser obsoleta.
Já para o segredo industrial pressupõe-se outro cenário: o de se manter protegida, por meio do sigilo documental, informações relevantes sobre a atividade empresarial, resguardando-a de concorrentes por meio de cláusulas contratuais com funcionários, programas de compliance, vigilância e auditorias, implementação de confidencialidade em documentos, etc.
No caso das patentes, tem-se a natureza palpável do seu objeto. Primeiro pelo fato de que geralmente quando se fala de patente tem-se um produto físico inventado, passível de ser fabricado. Em segundo plano, há, ainda, o título executivo expedido pelo INPI que garante a propriedade da criação. Já no cenário do segredo industrial nada é tão palpável, já que falamos, nesse aspecto, do know-how, ou melhor, do “saber fazer”, de uma experiência não necessariamente totalmente documentada.
Por ser assim, a questão da proteção do segredo industrial torna-se assaz mais difícil do que a própria patente em si, já que, para sua proteção, são necessários vários passos, programas e implementações que não se aplicariam para a patente. Além disso, a proteção para o segredo industrial se revela com a instauração de ações cíveis e criminais de concorrência desleal ao se verificar o vazamento das informações consideradas sigilosas, assim como ocorreu com a Coca Cola, que por meio do seu próprio concorrente tomou conhecimento da violação.
Diante deste contexto, seria conveniente questionar: Se a patente tornará pública a tecnologia, não é mais vantajoso mantê-la em sigilo por meio do segredo industrial? Pois, desta forma, aparentemente a exploração econômica do objeto/tecnologia não ocorrerá apenas no período definido pela lei, mas poder-se-á explorá-los “eternamente” enquanto a informação permanecer no estado de segredo.
A resposta a este questionamento é o primeiro paradoxo, ou seja, foge ao senso comum da questão. Isto pelo fato de que ao se deixar de patentear um produto que, em tese, estaria enquadrado pela Lei como sendo patenteável (possuidor dos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) o concorrente que dele tomasse conhecimento poderia identificar a forma de produzi-lo por meio da denominada engenharia reversa.
Logo, o idealizador poderia manter para si o segredo do produto, mas ao inseri-lo no mercado, sua forma de atuação, sua funcionalidade, seus materiais, sua aplicação deixariam, de uma forma ou de outra, de ser um segredo. Logo, ao pegarmos como exemplo uma peça mecânica, pouco seria útil, nesse caso, manter o segredo sobre ela, já que de um modo ou de outro ela estaria exposta ao público.
Sendo assim, ao deixar de patentear um produto considerado inovador, concorrentes ou qualquer terceiro interessado poderia dele fazer cópia e explorá-lo, sem que houvesse, nesse sentido, qualquer sanção. Ora, o produto, nesse caso, estaria desprotegido e vulnerável.
Diferente é quando se fala em segredo industrial de uma informação que, a exceção de um vazamento ilícito, o público jamais tomará conhecimento dela.
Nesta seara, é possível concluir que inexiste antinomia entre patente e segredo industrial, eis que um não elimina o outro, nem o sobrepõe. São institutos diferentes e aplicáveis para casos e circunstâncias diversas.