fbpx

Grandes Invenções: Chip CIC da Nintendo

Grandes Invenções: Chip CIC da Nintendo 4

* por André Nakahata Fortes (técnico em patentes)

O mercado de jogos eletrônicos em geral é um dos mais lucrativos no setor de entretenimento, e atualmente se compara, ou até mesmo supera, os mercados de música e de cinema, tanto que nem mesmo a pandemia mundial influenciou negativamente o negócio. Muito pelo contrário, o mercado de games até mesmo vislumbrou um pico durante o primeiro ano de isolamento social em 2020.

Sendo uma das maiores e mais famosas empresas de desenvolvimento e publicação de jogos eletrônicos e hardware especializado, a Nintendo Co., Ltd., sediada em Quioto no Japão, sempre tomou medidas para garantir a qualidade de seus produtos e para mitigar a pirataria e a adulteração não-autorizada de seus jogos e hardware, algo reforçado através de seu grande portfólio de marcas e patentes.

Um exemplo extremamente relevante, que resultou até mesmo em um processo judicial que contribui para a decadência de outra empresa gigante de jogos eletrônicos, a Atari SA, ocorreu justamente devido ao fato da Nintendo ser bem rígida com sua propriedade intelectual.

Chip CIC da Nintendo

A vida não era fácil para empresas especializadas no mercado de jogos eletrônicos no período em torno de 1983, ano quando ocorreu a infame crise dos videogames. Resumidamente (afinal esta é uma história terrivelmente longa que merece seu próprio artigo), o mercado de jogos eletrônicos foi supersaturado com produtos de baixa qualidade, o que causou o inflamento de uma bolha que estourou e quase levou o setor a completa falência. Isso mudou com o Nintendo Entertainment System ou NES, conhecido como Nintendinho no Brasil, o qual ajudou a rejuvenescer o mercado de jogos eletrônicos.

No entanto, antes desse sucesso todo, nenhum varejista da época pós-quebra do mercado de videogames pensaria em tentar vender produtos relacionados, então para reconquistar a confiança de comerciantes e investidores, a Nintendo fez duas coisas: primeiro o NES foi projetado para se parecer com um videocassete e, mais importante, a Nintendo garantiu que todos os jogos do NES passassem por um processo de aprovação do presidente da Nintendo no Japão, Hiroshi Yamauchi, isso acabaria por interromper, pelo menos boa parte, do fluxo de jogos de baixa qualidade e/ou sem licença, o que resultou em mais de 60 milhões de unidades vendidas em todo o mundo.

Para conseguir tudo isso, a Nintendo introduziu um hardware de anti-adulteração no console e em seus cartuchos, estes sendo um dispositivo que interage com o console para iniciar o jogo. Este hardware de anti-adulteração possui uma abordagem engenhosa para bloquear a adulteração não-autorizada e de jogos não-licenciados. Mais especificamente, em 1985, um dos principais engenheiros da Nintendo, Katsuya Nakagawa, inventor de pelo menos 31 famílias de patentes, depositou a patente a patente US4799635[1], intitulada “SYSTEM FOR DETERMINING AUTHENTICITY OF AN EXTERNAL MEMORY USED IN AN INFORMATION PROCESSING APPARATUS”, ou em tradução livre, “SISTEMA PARA DETERMINAR A AUTENTICIDADE DE UMA MEMÓRIA EXTERNA USADA EM UM APARELHO DE PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES”.

Grandes Invenções: Chip CIC da Nintendo 5

Figura 1 da patente US4799635

Sendo um sistema antipirataria ou antiviolação, os dispositivos de chave e fechadura revelados na patente, e presentes no console NES e no cartucho que contêm o jogo em si, eram chips controladores que formavam o que era conhecido como 10NES, o qual também é conhecido como “Checking Integrated Circuit” (chip CIC) ou “Circuito Integrado de Verificação”, um chip projetado especificamente para carregamento de jogos no console NES.

Em poucas palavras, a maneira como o chip CIC funciona é relativamente simples: na placa-mãe principal do NES, um chip conhecido como trava, uma CPU de quatro bits, e cada cartucho de jogo continha exatamente o mesmo chip de quatro bits, conhecido como chip de chave, em que ambos os chips contêm exatamente o mesmo código. Para tanto, quando o cartucho for inserido no NES, tanto a chave quanto o chip de bloqueio se comunicam entre si com código personalizado e se a verificação fosse bem-sucedida, o chip CIC permitiria que o jogo inicie, porém caso este teste falhar, o sistema reinicializará sozinho e diversas vezes, essencialmente de forma a bloquear completamente o jogo e o console.

No entanto, infelizmente o CIC era relativamente fácil de ser burlado, com aplicações de altas voltagens no mesmo, era possível pular toda essa etapa de verificação, porém cópias piratas tinham grandes desvantagens por serem de baixíssima qualidade, tanto que não era permitido salvar o progresso do jogo nessas cópias. Ademais, a Nintendo passou a realizar outras formas para barrar cópias piratas, o que desmotivou a procura desse tipo de produto.

Dessa forma, fica claro que a Nintendo foi além do possível para interromper o fluxo de jogos não-licenciados no NES, porém eles não obtiveram um sucesso total em fazer isso completamente, como veremos a seguir.

Atari Vs Nintendo – Briga de Gigantes

Em 1985, a Atari ainda estava se recuperando da crise de videogames em 1983, e a empresa estava particularmente descontente com o modelo de licenciamento da Nintendo. Para burlar esses licenciamentos, a Atari tentou lançar jogos não-licenciados através de sua marca Tengen ao criar um método para contornar a verificação do chip CIC da Nintendo.

Para tanto, eles precisariam fazer engenharia reversa do chip em questão, no entanto isso provou ser difícil mesmo após muitas tentativas. Mesmo assim, após alguns meses, a Atari revelou seu próprio equivalente do chip CIC conhecido como Rabbit que foi usado em alguns dos seus jogos não-autorizados para o NES. Porém, mesmo após diversos esforços, como a Atari conseguiu essa proeza?

Pois bem, a famosa história é que a Atari obteve acesso aos dez códigos NES através da entrada de um processo no tribunal que solicitou o código fonte do chip CIC, algo que, nem precisamos dizer, deixou a Nintendo completamente furiosa.

Essa aposta jurídica resultou em um processo da Nintendo contra a Atari, uma disputa que foi até tribunal. Devido a proteção da Nintendo com sua Propriedade Intelectual, assim como pudemos ver com a patente acima, a corte jurídica concordou que a Atari copiou descaradamente a tecnologia da Nintendo sem a autorização da mesma, em que a Atari alegou como defesa o famoso Fair Use para justificar tal infração de patente.

Legado do chip de proteção

O chip CIC permaneceu firme, e a Nintendo o usava nos consoles sucessores do NES, no caso sendo o Super Nintendo e Nintendo 64, com algumas melhorias, mas que ainda usava a mesma CPU de quatro bits e mesmo chip de bloqueio. Em outras palavras, o chip CIC permaneceu firme por mais de 20 anos e três gerações de console, portanto fica claro que esse chip, mesmo após ter sua patente expirada, resistiu ao teste do tempo e foi um dos chips mais importantes nos primeiros consoles da Nintendo baseados em cartuchos.

Isso mostra como uma proteção robusta pode proteger a Propriedade Intelectual de uma empresa, e mostra como os esforços dos departamentos de P&D podem dar frutos e garantir que a empresa e seus investidores tenham uma forte presença no mercado, mesmo se considerarmos que patentes são documentos abertos ao público. Dito isso, documentos contendo códigos fonte não são abertos, e a Atari utilizou de ferramentas desleais e antiéticas para conseguir tal código, porém como pudemos ver, no longo prazo, tal decisão causou mais prejuízo do que lucro para a Atari.

Esperamos que tenham gostado desse breve jornada no mundo de jogos, um mercado em potencial que, apesar de ser um setor do entretenimento, ainda é surpreendentemente entrosado com Propriedade Intelectual além do Direito Autoral, assim como exemplificado pela Nintendo.

[1] Disponível em: https://patents.google.com/patent/US4799635A/