*Por Marcos Keresztes Gagliardi
Já no Império Romano, dentre as diversas fases pelas quais passou, entre república, principado e império, havia certa liberdade de expressão. Os poetas principalmente, escreviam com certa liberdade, principalmente quando o imperador estava mais voltado às questões do império, e menos afeito às questões da oratória e do patronato literário. Por óbvio, dependendo do momento e do governante no poder, esta regra não era absoluta, e havia sim, certo controle de textos literários, prosas, poemas e até da oratória, tudo para não prejudicar o governo[1].
Séculos depois, no Brasil temos a questão da liberdade de expressão enfrentada desde o Império, garantida na Constituição Imperial. Esta liberdade foi conservada até o Estado Novo, tendo em vista que tal regime ditatorial versou-se pela repressão, através da Constituição de 1937. Nesta época foi instituída a censura, e criado o Departamento de Informação e propaganda, nos mesmos moldes que nos países europeus, cuidando principalmente da imagem do déspota como grande líder, reproduzindo Hitler, Mussolini, Stalin e Franco.
Posteriormente, alinhada nos preceitos de reconhecimento igualitários dos direitos afeitos ao ser humano, em 1948 foi estabelecida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que prevê em seu artigo XIX, in verbis:
“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”
Em 1967, a Constituição promulgada pelos militares não extinguiu a liberdade de expressão, mas expunha claramente a repressão e censura, impondo limites atrelados aos “bons costumes” e à “ordem pública”, bem como restringindo a livre manifestação do pensamento, com sanções jurídicas àquele que abusasse do direito individual de manifestação.
Evoluindo na história, chegamos à Constituição de 1988, a qual previu expressamente a liberdade de expressão, que em seus artigos 5º, IV e 220, §2º trazem:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(…)
Portanto, sendo a liberdade de expressão um ato inerente à mente humana, enquanto ser racional, crítico e questionador, é a forma de manifestar livremente opiniões e ideias sem sofismas ou reserva moral, ou ainda, controle/censura de Estados, conglomerados econômicos ou membros da sociedade.
No entanto, com o advento das mídias sociais, temos que toda esta liberdade promovida, desejada e exacerbada tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e pelas constituições de diversos países democráticos está colidindo com a imposição de limites à liberdade plena de expressão.
Assim, alguns provedores de aplicação estão empreendendo a um verdadeiro “poder moderador”, excluindo contas e apagando conteúdos proferidos por terceiros, frise-se, conteúdos estes dentro da regra de liberdade de expressão, vedado o anonimato.
Ocorre que se convencionou acreditar que a liberdade de expressão estava sendo mal utilizada, no momento em que os usuários das redes usavam seus perfis para promover notícias de conteúdo duvidoso, incerto, cujo objetivo é causar desestabilização política e social.
Então a liberdade de expressão estava encontrando um limite, quando dela resultava problemas de comunicação inverossímil e indesejada entre o público. Esta comunicação oriunda de propagação de notícias falsas (fake News) sobre diversos aspectos, potencializada em demasia pela agilidade de propagação das redes, provou ser capaz de causar estrago tanto em reputações, quanto em diversos temas de políticas públicas.
Desta feita, tomando por exemplo o caso Donald Trump x Twiter, nos deparamos com o pleno exercício de liberdade de expressão utilizado pelo ex-presidente dos Estados Unidos da América, ao expor suas opiniões sobre sua crença exacerbada de que haveria suposta fraude nas eleições que culminaram com sua derrota.
No entanto, havendo o reconhecimento do establishment de que não haveria a suposta fraude, que o procedimento eleitoral fora realizado de acordo com as regras e auditorias oficialmente reconhecidas e aplicáveis in casu, não haveria mais nenhuma legitimidade na insistência deste tema por parte do ex-presidente.
Por esta razão, sua insistência manifestada nas redes, contra fato tido por incontroverso, gerou a necessidade de moderação do conteúdo postado pelas contas tanto da presidência quanto as de cunho pessoal, pois detectou-se verdadeiro potencial ofensivo às garantias constitucionais e aos interesses republicanos daquele país. O Twitter alegou violação da política de Integridade Cívica, inicialmente suspendendo ‘retuítes’ de publicações do ex-presidente, bem como mais à frente, suspendendo suas contas por 12 hora e em dois dias depois, o Twitter baniu o ex-presidente Trump permanentemente de sua plataforma.
Não se pode descuidar que o conteúdo publicado que explora de forma assertiva eventuais ocorrências desajustadas da conduta ou forma esperada é válido, o que não encontra respaldo na liberdade de expressão é justamente o conteúdo que extrapola estes limites, expondo ideias que ao final seriam contrárias à convivência/contrato social. Assim, o risco que declarações fortes proferidas por pessoas de carisma e com poder suficiente para causar medo, dúvida, comoção e engajamento estão sendo alvo de verdadeiro poder moderador das redes e mídias sociais.
Em que pese o bom intuito na promoção de tal controle, não devemos esquecer que, tal poder moderador a cargo das empresas privadas de internet se qualifica como verdadeiro risco à sociedade e à liberdade de expressão, pois sobrepujam as regras do próprio Estado, com risco de a permissividade inicial dar ensejo à ‘caça às bruxas’, moderando, cancelando e excluindo publicações, como também bloqueando, banindo e apagando contas e perfis de usuários que supostamente, não se enquadrem na política da empresa.
Isso seria inadequado do ponto de vista de um país democrático, pois a liberdade de expressão é garantida exatamente vedando-se o anonimato, já que o interlocutor das ideias e opiniões é responsável pelo que brada, e pode (deve) ser devidamente responsabilizado nas penas legais por seus atos.
Logicamente, há consenso que material que incite a violência gratuita, discriminação etc. deve ser objeto de moderação, porém, será que a posição política/ideológica, ou visão de mundo sob determinados aspectos e perspectivas, tão fomentadoras do debate necessário, seriam merecedoras de tal controle irrestrito?
Para mais discussões como essa, acompanhe o Blog da VilelaCoelho!
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[1] JOUR D’Onofrio, Salvatore – 1967/06/30 – 393 – A liberdade de expressão na Roma Imperial, VL – 34 DO – 10.11606/issn.2316-9141.rh.1967.126114, JO – Revista de História.