fbpx

Copa do Mundo e as regras de uso dos ativos de propriedade intelectual

Copa do Mundo e as regras de uso dos ativos de propriedade intelectual 2

*Por Jonatas de Sousa Silva (advogado associado)

 

A Copa do Mundo FIFA 2022 está se aproximando, fazendo vibrar o coração dos amantes do bom futebol. Chegando à sua vigésima segunda edição, dessa vez o mais importante campeonato de seleções do mundo será realizado no Catar, com data de abertura marcada para o dia 21 de novembro e o encerramento previsto para o dia 18 de dezembro. 

Trata-se de um dos eventos esportivos mais badalados do futebol internacional, que além de fascinar os milhares de entusiastas do esporte espalhados pelo mundo, estimula, em termos de negócios, a economia de diversos setores de mercado, como o de turismo, telecomunicações, games, brinquedos, vestuário, papelaria, alimentos e até o de tintas, agitado pelos poucos que ainda conservam a tradição de pintar muros e calçadas com as cores de suas seleções prediletas; além de outros segmentos que, em razão da natureza dos produtos e serviços explorados, igualmente podem lucrar com a realização desse e de outros megaeventos. 

Assim, em vista da grande oportunidade de alavancar os negócios, é presumível que pessoas, buscando se aproveitar economicamente da notoriedade do evento, surjam querendo se associar ao nome, símbolos e marcas associadas à Copa do Mundo e à FIFA, sua organizadora, sem obter prévia autorização para isso. 

Porém, como diria o comentarista esportivo, “a regra é clara” a respeito do que é ou não permitido sobre o uso de marcas de terceiros e marcas associadas a eventos esportivos reconhecidos; diretrizes que são encontradas na Lei da Propriedade Industrial, além daquelas estabelecidas pela própria FIFA. 

É importante lembrar, nesse ponto, que a Copa do Mundo é um evento organizado pela Federação Internacional de Futebol, a FIFA, pertencendo, pois, a ela a Propriedade Intelectual do torneio e, em vista disso, o direito ao uso exclusivo desses ativos; e essa prerrogativa costuma ser muito bem explorada pela FIFA e objeto de uma rígida fiscalização por parte da instituição.  

Nesse sentido, enquanto titular da Propriedade Intelectual do torneio, a FIFA possui também a faculdade de autorizar o seu uso por terceiros, e assim ela o faz. A cada edição da Copa do Mundo, a FIFA disponibiliza cotas de patrocínio, que inclui, entre outras prerrogativas, a autorização de uso da Propriedade Intelectual associada à Copa do Mundo.  

Assim, somente a FIFA, e em razão da autorização dada por ela, parceiros e patrocinadores pontuais da Copa do Mundo detém essa prerrogativa, mais ninguém. 

Nela estão incluídas a autorização de uso do nome e a marca corporativa da ‘FIFA’ e todas as outras marcas da Copa do Mundo, como a própria expressão “Copa do Mundo”, “Catar 2022”, “FIFA World Cup Qatar 2022”, “FIFA World Cup 2022”, “FIFA World Cup, Qatar 2022”, além de outros símbolos associados ao evento, como a representação do troféu e a imagem do mascote oficial criado pela organização, entre outros.  

Por outro ângulo, como o aporte financeiro vindo de parceiros e patrocinadores é essencial para a realização da Copa, e considerando que os apoiadores são atraídos pelos benefícios comerciais de poderem se associar ao nome e às marcas desse evento de envergadura global, a FIFA costuma ser muito diligente na fiscalização de seus ativos. Agindo assim, a federação consegue assegurar o retorno dos investimentos feitos pelos parceiros e patrocinadores e, ao mesmo tempo, manter a atratividade das cotas de patrocínio, garantindo assim o apoio para as próximas edições do torneio. 

Em um cenário distinto deste, no qual a FIFA tolerasse a associação e o uso desautorizado de suas marcas, os patrocinadores se veriam obrigados a disputar espaço com centenas de outras empresas que não realizaram os mesmos investimentos, mas que injustamente também se beneficiariam da associação com a Copa do Mundo, o que não seria nada atrativo para potenciais parceiros. 

Em vista disso, a cada edição do torneio, a FIFA edita uma espécie de cartilha, em que elenca as regras de uso comercial da Propriedade Intelectual da Copa do Mundo, estabelecendo diretrizes aos jogadores, técnicos, membros de delegações, árbitros, patrocinadores, mídia e todos os demais envolvidos na realização do evento.   

As diretrizes da FIFA incluem, dentre outras regras, a proibição contra o chamado “marketing de emboscada”, que, em suma, consiste em “tirar proveito do prestígio de outrem, especialmente durante um grande evento, aproveitando-se de toda a mídia realizada para associar, de forma oportunista, determinada marca ao evento”

Na definição criada pela própria FIFA, “marketing de emboscada” é “qualquer tentativa de qualquer entidade ou indivíduo de obter uma associação comercial não autorizada com a Competição e/ou a FIFA, ou explorar a boa vontade e publicidade gerada pela FIFA e/ou pela Competição de maneira não autorizada pela FIFA” (tradução livre).

Nesse sentido, dentre outras ações comerciais proibidas pela federação, que se enquadram na definição de marketing de emboscada e que podem ser consideradas como uma associação direta ao evento, estão o uso desautorizado das marcas listadas acima; e, indiretamente, a realização de sorteio de ingressos para os jogos da Copa, ambas as quais, consistem no aproveitamento comercial ilegal do prestígio da FIFA e da notoriedade do torneio. 

Outra prática muito comum, que é considerada como “marketing de emboscada” por intrusão, é a venda, nos arredores de estádios ou outros locais não autorizados, de produtos de empresas não patrocinadoras, que se aproveitam do movimento no local para alavancar as vendas. Essa prática é igualmente proibida pela FIFA. 

A FIFA proíbe, inclusive, aos próprios atletas promover ou fazer referência às marcas não patrocinadoras, de forma a associá-las com a Copa do Mundo, mesmo que isso aconteça apenas nas redes sociais dos jogadores.  

É preciso se atentar, portanto, para essa e outras diretrizes estabelecidas pela FIFA, além da observância das determinações encontradas na Lei 9.279/96, que regulamenta, no Brasil, os direitos relativos à Propriedade Industrial, categoria em que se encontram os direitos relativos às marcas e as regras repressivas à concorrência desleal. 

Assim, no tocante à disciplina do tema na Lei da Propriedade Industrial, tem-se a proibição expressa de registro de sinais que possam causar confusão ou associação equivocada com marca alheia registrada, vedação que impede o registro como marca de sinais iguais ou semelhantes aos registrados pela FIFA, cuja semelhança possa levar o consumidor a confundir os produtos e/ou serviços ou, ainda, acreditar equivocadamente que se trata uma marca procedente da FIFA. 

Numa simples pesquisa à base dedos do INPI, é possível encontrar mais de 1.000 (mil) marcas em nome da FIFA, das quais, ao menos 100 (cem) estão diretamente associadas à Copa do Mundo de 2022, que incluem o emblema oficial desta edição da Copa do Mundo (ex. 918120829), o mascote oficial batizado de “La´eeb” (ex. 926214780) e a expressão “QATAR 2022” (ex. 916375293), além de expressões mais gerais como “Copa do Mundo”, “World Cup” e a representação do troféu da Copa do Mundo. 

Assim, nenhuma outra pessoa pode obter o registro como marca de sinais iguais ou semelhantes a esses, em razão de já estarem registrados como marca em nome da FIFA, que detém em vista desses registros, como já dito, o direito ao uso exclusivo delas em todo o território nacional. 

Nesse ponto, vale ainda destacar, que mesmo que a FIFA não tivesse o registro dessas marcas, há na legislação, também, a proibição de registro como marca de nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento; vedação que poderia ser aplicada pelo INPI, mesmo se a FIFA não houvesse registrado suas marcas no INPI.  

A Lei 9.279/96, ademais, tipifica como crime o emprego de meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem ou, ainda, usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos. Assim, a tentativa de associar de forma desautorizada à Copa do Mundo e à sua organizadora, de modo a desviar clientela alheia ou criar confusão nos consumidores, pode ser enquadrada nessas condutas anticoncorrenciais, consideradas como criminosas pela legislação nacional. 

A infração a esses dispositivos legais e aos direitos de Propriedade Intelectual da FIFA podem resultar em ações na justiça e severas punições aos infratores. 

Um exemplo claro das consequências danosas do uso desautorizado de marcas associadas à Copa do Mundo e às seleções envolvidas, é o caso envolvendo a empresa JOHNSON & JOHNSON e a CBF. À época da Copa do Mundo de 2014 realizada no Brasil, a multinacional realizou uma série de campanhas publicitárias, nas quais se associava indiretamente à Seleção Brasileira, sem autorização da CBF, detentora dos direitos de Propriedade Intelectual da Seleção Canarinho. 

Uma das campanhas, denominada “SEU LUGAR NA COPA“, daria aos consumidores sorteados o privilégio de assistir à partida de abertura da Copa do Mundo e de ganhar R$ 100.000,00 a cada gol feito pela Seleção Brasileira de Futebol durante essa partida. Outra, sob o mote “MINHA PRIMEIRA COPA“, distribuía camisas de bebês personalizadas semelhantes à da Seleção Brasileira aos consumidores que realizassem compras acima de determinado valor em produtos fabricados pela gigante norte-americana. 

O caso foi levado à justiça, que entendeu configurada a prática de “marketing de emboscada” pela JOHNSON & JOHNSON contra a CBF; a multinacional teve que pagar à Confederação a quantia de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais). 

Diante disso, se a empresa ou indivíduo, que não seja um patrocinador, deseja incorporar o espírito da Copa, é recomendável que o faça com bastante sobriedade, e procure adotar elementos genéricos apenas alusivos ao esporte, como bolas de futebol, desenho de quadras esportivas etc. 

A decoração de lojas e estabelecimentos é permitida, mas também tem de ser feita com elementos mais gerais como bandeiras ou outros assemelhados, desde que não estejam estampadas marcas registradas. 

A adoção de cores ligadas às seleções também deve obedecer a essas regras, para que não haja uma associação indevida com elementos protegidos por direitos de Propriedade Intelectual pertencentes às confederações de futebol do respectivo país. 

Portanto, é preciso ter cautela e evitar qualquer tipo de associação indevida com a Copa do Mundo e com a FIFA, sua organizadora e, ainda, com elementos protegidos das seleções participantes do torneio.