Esse ano os artistas Tiago Iorc e Ana Caetano da dupla ANAVITÓRIA protagonizaram polêmica em torno da canção de título “Trevo (Tu)”, que foi provavelmente a grande impulsionadora da carreira da referida dupla.
A polêmica se deu porque a ANAVITÓRIA, estaria impedida de lançar uma nova gravação da canção em decorrência da não autorização de Tiago Iorc, aparentemente em função de desentendimentos com o empresário da dupla. Muito estranhamento foi gerado por essa situação, afinal de contas, como a Ana Caetano poderia ser impedida de gravar uma canção que é dela também?
Essa pergunta é respondida pela lei 9.610/98, a Lei de Direitos Autorais (LDA).
A referida canção (no caso, uma obra literomusical) é uma composição feita por Ana Caetano e Tiago Iorc em conjunto, significando, portanto, que ambos são coautores da obra, conforme prevê o artigo 5ª, VIII, ‘a’ da LDA.
A coautoria funda entre os criadores da obra intelectual uma relação de propriedade conjunta análoga à do instituto do condomínio comum do Código Civil, trazendo a própria Lei de Direitos Autorais previsões também verificadas para o condomínio, como a oponibilidade dos direitos relativos à obra intelectual contra terceiros por qualquer coautor, ou seja, o coautor tem o direito de proteger a obra como um todo (art. 32, § 3º da LDA) e a administração conjunta do bem o que torna necessário, se não um consenso entre os coautores a respeito da forma de exploração da obra, ao menos exigirá o posicionamento da maioria.
Essa última questão da administração é expressa no artigo 23 da LDA ao prever que os “coautores da obra intelectual exercerão, de comum acordo, os seus direitos, salvo convenção em contrário”. E o caso da canção “Trevo (Tu)” traz fatores que enrijecem ainda mais a aplicação do artigo 23: essa canção, embora se possa destacar letra de melodia, é indivisível (ou de divisibilidade relativa, segundo os ensinamentos de Carlos Alberto Bittar), porque, embora melodia e letra sejam separadamente identificáveis, elas estão entranhadas em tal grau que não há como deixar de associar uma à outra. Ademais, ao que parece, no caso em questão trechos da letra foram feitos ora por um coautor, ora por outro, de maneira que retirar o trecho de um dos coautores seria descaracterizar a obra como um todo.
O motivo desses fatores enrijecerem a aplicação do artigo 23, LDA, vem pelo fato de que a indivisibilidade da obra em coautoria impedir a sua publicação sem a autorização de todos os coautores por, dessa vez, expressa previsão do artigo 32, LDA, o qual estabelece que “Quando uma obra feita em regime de coautoria não for divisível, nenhum dos coautores, sob pena de responder por perdas e danos, poderá, sem consentimento dos demais, publicá-la ou autorizar-lhe a publicação, salvo na coleção de suas obras completas”.
Eis o cerne da questão aqui tratada. A canção nesse caso, por mais que seja também composta pela artista Ana Caetano não pode nem por ela ser fixada sem o consentimento do outro coautor sob pena, inclusive, de ressarcimento de danos, conforme a letra da lei acima colacionada. A exceção haveria no caso de a coautoria ser entre 3 (três) ou mais coautores, situação em que existiria a possibilidade de aplicação da previsão do artigo 32, § 1º e 2º da LDA podendo, então, a maioria dos coautores decidir acerca da forma de exploração da obra em detrimento da discordância minoritária.
Contudo, cabe uma provocação para reflexão. Sabendo-se que a Lei de Direitos Autorais, assim como toda a lei, possui um fim social e econômico como pano de fundo, o caso concreto merece ponderações a partir da figura do abuso de direito. Isso porque, esse instituto, consagrado no artigo 187 do Código Civil, reza que “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Ora, no caso de verdadeira a hipótese de a gravação ter sido impedida de ser publicada pelo coautor em razão de desentendimento pessoal entre as partes e tendo em vista que a gravação seria apenas uma nova versão de outra já feita pelas mesmas intérpretes as quais possuem a mesma respeitabilidade de antes junto ao público, haveria razoabilidade na proibição? Mais especificamente, uma proibição nesse contexto fático apresentado (podendo esta autora estar alheia a outros detalhes do caso, frise-se) estaria atendendo à intenção da Lei de Direitos Autorais?
Estas são questões que merecem ainda um novo artigo, sendo que a resposta acurada dependerá da minuciosa análise profissional do contexto dos casos concretos, a fim de se ponderar o equilíbrio da aplicação legal e a melhor forma de conduzir conflitos do gênero os quais são corriqueiros no ambiente de propriedade intelectual.
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