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ADI 4234: o advento da Lei da Propriedade Industrial e as Patentes de Revalidação

ADI 4234 - Lei da Propriedade Industrial

*Por Fabio Lima Leite.

Antes da entrada em vigor da atual Lei da Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/96), vigorava no país o Código da Propriedade Industrial, Lei n.º 5.772/1971, que dentre as invenções não patenteáveis previa “as substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos” e também “as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos”.

A previsão, pois, de que não eram patenteáveis tais invenções, significava, então, que estas matérias estariam em domínio público, já que qualquer criação a seu respeito não poderia receber a patente pela Autarquia Federal Responsável – INPI, criada em 1970 com a Lei n.º 5.648/1970.

Ocorre que, com o advento da Lei da Propriedade Industrial, em 1996, este cenário sofreu um impacto interessante, uma vez que referida Lei trouxe a previsão de que poderiam ser depositados pedidos de patente relativos às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e às substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, fazendo com que aquilo que até então era de domínio público, não patenteável, portanto, fosse capaz de receber proteção pelo INPI e ser objeto de exploração exclusiva.

Evidente, pois, que tal modificação traria grandes impactos, principalmente na área farmacêutica, já que mencionadas previsões legais tratavam principalmente de itens químico-farmacêuticos e medicamentos, de modo que aqueles que já estivessem em domínio público, poderiam voltar a gozar de proteção exclusiva pelo simples fato do advento da nova Lei da Propriedade Industrial, que havia revogado totalmente o artigo do Código anterior que não concedia proteção para tais conteúdos.

Vale ressaltar que tudo aquilo tornado acessível ao público integra o patrimônio de todos, sendo, pois, denominado de “res communis omnium”, isto e, “coisa comum de todos”. Logo, se com a nova lei a matéria já entendida como de domínio público voltasse a ser protegida, haveria um reconhecido cerceamento do próprio interesse público, já que preços de medicamentos e demais produtos poderiam ser modificados em virtude da limitação de concorrência.

A limitação ocorre pelo simples fato de que existindo diversos players produzindo e comercializando produtos similares, há maior competitividade, de modo que o consumidor poderá exercer seu poder de escolha frente a diversas opções para o mesmo item sendo fornecidas ao mesmo tempo. É o que ocorre, por exemplo, com os medicamentos genéricos, que por não mais possuírem proteção em decorrência da expiração da patente, podem ser produzidos por diversos laboratórios, fazendo com que o preço seja mais acessível se comparado àqueles que possuem patente em vigor e que podem ser explorados apenas por um ou por outro desenvolvedor.

Com a entrada em vigor da nova Lei da Propriedade Industrial, em 1996, diversos interessados em explorar com exclusividade produtos que até então eram de domínio público no Brasil, solicitaram proteção ao INPI, dando origem, portanto, às denominadas “Patente de Revalidação” ou Pipelines, que buscavam revalidar, em território nacional, produto protegido em outro país, mas que aqui, até então, seria enquadrado como sendo de domínio público se considerássemos a vigência do antigo Código de Propriedade Industrial.

Diante deste cenário, para buscar evitar que tais pedidos de patente recebessem proteção, tornando, pois, de uso exclusivo algo que a própria lei brasileira antes previa como de domínio público, deu-se ensejo à Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n.º 4234, intentada em 2009 e em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, que busca atacar a constitucionalidade dos artigos 230 e 231 pelo seguinte viés exposto na Exordial:

“A inconstitucionalidade das patentes pipeline está justamente na sua natureza jurídica, pois se pretende tornar patenteável, em detrimento do princípio da novidade, aquilo que já se encontra em domínio público.

O Princípio da Novidade é um dos pilares na proteção da propriedade industrial, pois é ele o responsável por garantir que o requisito do ‘desenvolvimento tecnológico e econômico do País’ seja respeitado, nos termos constitucionais.

Como um adendo a esta interpretação, devemos lembrar que a atual Lei da Propriedade Industrial considera patenteável a invenção que atenda aos requisitos de Novidade, Atividade Inventiva e Aplicação Industrial (vide artigo 8º). Logo, atribuir validade, ou revalidar uma patente que trata de matéria antes reconhecida como de domínio público, refletiria em considerável antinomia, sem mencionar ainda os reflexos que recairiam sobre o interesse público, a ordem econômica, a livre iniciativa e a sociedade, como bem comentado pelo Procurador-Geral da república na petição inicial da ADI n.º 4234:

“(…) sem que haja novidade, não há motivo justificável para se criar um monopólio em favor de particulares, por meio da proteção patentária. Pelo contrário, sem que o requisito da novidade esteja presente, haverá um monopólio ilegítimo de tecnologias de produção, afetando a ordem econômica, a livre concorrência e a sociedade.

Por estes singelas razões bem se nota que as patentes pipeline, instituídas pelos artigos 230  231 da Lei 9.279/96, violam a Constituição. Repita-se, tais artigos possibilitam que produtos em domínio público fossem patenteados.”

No entanto, em que pese a relevância da questão posta, a Ação Direta de Inconstitucionalidade iniciada em 2009 ainda não foi finalizada e está em trâmite no STF, gerando grande expectativa quanto ao seu resultado final, que, se concluir pela nulidade das patentes de revalidação como consequência da inconstitucionalidade dos artigos 230 e 231, da atual Lei da Propriedade Industrial, assim como requerido pelo Ministério Público Federal, em manifestação apresentada em 2010, a matéria retornaria ao “status quo ante”, de modo que restaria consolidado que as matérias já definidas como sendo de domínio público, tal qual tratada no antigo Código da Propriedade Industrial, não podem receber proteção para exploração exclusiva.