fbpx

A regulamentação das apostas esportivas no Brasil

A regulamentação das apostas esportivas no Brasil 2

* por Júlia Bessa Sanzi (advogada associada)

A prática de apostas esportivas foi introduzida no Brasil por meio da Lei nº 13.756/2018 que criou uma nova modalidade de loteria, as chamadas “apostas de quota fixa”, popularmente conhecidas como bets, consistentes em um sistema de apostas relativas a eventos reais ou virtuais em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico. Até a publicação da referida Lei, vigorava neste âmbito as normativas contidas na Lei de Contravenções Penais (Decreto nº 3.688/41) que proíbem a prática ou exploração de quaisquer jogos de azar em todo o território nacional.

Desde então, o fenômeno das bets tem crescido exponencialmente, especialmente no cenário pós pandêmico, em que o negócio foi amplamente disseminado entre os mais jovens. Segundo dados da Datafolha[1], 15% (quinze por cento) da população brasileira faz ou já fez apostas online, sendo que este número atinge, principalmente, jovens de baixa renda, de 16 (dezesseis) a 24 (vinte e quatro) anos, que chegam a gastar, mensalmente, até 20% (vinte por cento) de um salário mínimo.

A regulamentação da exploração desta modalidade de loteria ficou a cargo do Ministério da Fazenda, que seria o órgão competente para autorizar as empresas interessadas em atuar neste mercado, bem como criar as diretrizes para tanto. A ausência desta regulamentação até então, entretanto, gerou um limbo de regras e instrumentos de fiscalização e resultou na exploração da atividade por empresas estrangeiras, o que tem dado espaço à prática de fraudes dentro de um mercado que movimenta bilhões de reais anualmente.

Com a recente edição da Medida Provisória nº 1.182/2023, o texto original da Lei nº 13.756/2018 foi alterado para que a disciplina fosse fixada pela União Federal. Neste cenário, como uma das principais medidas do atual governo para o aumento de arrecadação, a Lei nº 14.790/2023 foi sancionada pela Presidência da República, com vetos, em 30 de dezembro de 2023, trazendo novidades a respeito do tema.

Conforme o texto recentemente sancionado, as apostas de quota fixa serão exploradas em ambiente concorrencial, mediante prévia autorização a ser expedida pelo Ministério da Fazenda, somente por pessoas jurídicas constituídas segundo a legislação brasileira, com sede e administração no território nacional que atendam aos requisitos gerais a serem estabelecidos em regulamentação própria.

Dentre os temas a serem tratados pelo Ministério da Fazenda, a legislação destaca quais assuntos devem ser abordados pela referida regulamentação exigindo, por exemplo, a comprovação de valor mínimo e forma de integralização do capital social da pessoa jurídica interessada, conhecimento e experiência em jogos, apostas ou loterias de pelo menos um dos integrantes do grupo de controle da empresa, a observância aos requisitos técnicos e de segurança cibernética e a existência de brasileiro na posição de sócio detentor de ao menos 20% (vinte por cento) do capital social da empresa.

Ainda, a concessão da autorização para exploração das apostas está condicionada ao pagamento de outorga fixa no valor máximo de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), sendo permitido o uso de 3 (três) marcas comerciais a serem exploradas durante o prazo de 5 (cinco) anos. O Ministério da Fazenda deverá estabelecer as condições e prazos, não inferiores a 6 (seis) meses, para a adequação das pessoas jurídicas já em atividade, assumindo posição protagonista no que tange à elaboração das regulamentações pendentes.

Buscando garantir maior transparência nas relações, em seção específica, a legislação também destaca o dever das empresas autorizadas quanto à criação e manutenção de políticas, procedimento e controles internos obrigatórios sobre atendimento aos apostadores e ouvidoria, prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa, jogo responsável e prevenção aos transtornos de jogo patológico e integridade de apostas, exigências que evidenciam a importância da adoção de boas práticas relacionadas à compliance e governança corporativa.

Em relação às ações de comunicação, de publicidade e de marketing, a legislação dispõe sobre a necessidade de observância à regulamentação do Ministério da Fazenda, enfatizando disposições sobre avisos de desestímulo ao jogo e advertência sobre seus malefícios, além de outras ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 (dezoito) anos. As empresas divulgadoras, incluídos provedores de aplicação de internet, que não atenderem aos dispositivos da lei deverão proceder com as exclusões das publicidades irregulares, sem prejuízo de eventual responsabilização civil.

Aproveitando o ensejo da nova lei e autorização expressa da autorregulamentação, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) publicou um anexo ao seu Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) com foco nas apostas, orientado pelos seguintes princípios: identificação publicitária; veracidade e informação; proteção as crianças e adolescentes e; responsabilidade social e jogo responsável.

No mais, além de garantir os direitos básicos já previstos no Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 14.790/2023 apresenta especial destaque aos deveres de informação e orientação adequadas sobre as regras e utilização de equipamentos, sistemas e canais eletrônicos de apostas, as condições e requisitos para acerto de prognóstico e aferição de prêmio, riscos de perda dos valores apostados e transtornos de jogos patológicos, além da proteção de dados pessoais, na forma da Lei Geral de Proteção de Dados. Inclusive, o agente operador deverá utilizar sistemas auditáveis, aos quais deverá ser disponibilizado acesso ao Ministério da Fazenda sempre que requisitado e, em caso de infração, estará sujeito às sanções previstas em lei, após a devida apuração mediante o processo administrativo sancionador.

Outro ponto importante é o prazo prescricional de 90 (noventa) dias a partir da divulgação de um resultado para que o apostador possa reclamar caso deixe de receber um prêmio ou reembolso junto ao agente operador. Os prêmios não reclamados dentro do prazo serão revertidos para fins sociais, na condição de 50% (cinquenta por certo) ao Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e em 50% (cinquenta por certo) ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (FUNCAP).

Por fim, no que tange à tributação imposta aos operadores, deverá ser recolhido o percentual fixo de 12% (doze por cento) sobre o Gross Gaming Revenue (GGR) – valor total apostado por jogadores, do qual é subtraído o valor total de prêmios e o valor do imposto de renda incidente sobre a premiação – que se destina exclusivamente para educação, saúde, turismo, segurança pública, esporte e seguridade social. Em relação aos apostadores, haverá o recolhimento do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) à alíquota de 15% (quinze por cento) sobre os prêmios líquidos recebidos, percentual também aplicável às apostas relacionadas ao fantasy sport. A expectativa do governo é de arrecadar, somente neste ano, R$ 12.000.000.000,00 (doze bilhões de reais).

Assim, avaliados os principais aspectos da nova legislação, verifica-se o interesse do legislador de promover um mercado responsável, transparente e próspero no país, que conta com uma abordagem estratégica de tributação, além de requisitos rigorosos para a concessão da autorização para exploração pelas empresas interessadas e previsão de mecanismos de fiscalização dos operadores e proteção aos apostadores, o que será fundamental para garantir segurança dos participantes desse ecossistema.

Apesar do contexto positivo trazido pela regulamentação, contudo, é importante considerar os riscos associados à dependência em jogos de apostas esportivas, aspecto que deixou de ser abordado pela lei com a devida profundidade, situação que pode levar ao desenvolvimento de comportamento compulsivo e vício em jogos por parcela significativa da população, acarretando consequências para a saúde mental, emocional e financeira dos indivíduos.

Conclui-se, neste sentido, que a lei traz diversos benefícios para o mercado, como a criação de um ambiente mais seguro e transparente para os apostadores, com regras claras para as empresas operadoras e mecanismos de fiscalização, além da geração de receitas decorrentes da tributação, apesar de ainda existirem desafios a serem enfrentados pelo governo e pela sociedade como um todo.

[1] Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2024/01/apostas-atraem-jovens-e-chegam-a-15-da-populacao-que-diz-gastar-r-263-por-mes-mostra-datafolha.shtml. Acesso em 18/02/2024.