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Regulação da Cannabis no Brasil em paralelo com outros países

Regulação da Cannabis no Brasil em paralelo com outros países 2

*Por Amanda Melo e Mariane Zukauskas

A regulação da Cannabis, conhecida popularmente como maconha sempre esteve envolvida em grandes debates sociológicos, filosóficos, científicos e religiosos, vista como ilícita por conter o tetrahidrocanabinol, composto químico que proporciona a maioria dos efeitos psicoativos causados pela droga.

O THC se conecta aos receptores de canabinoides concentrados no cérebro e o Sistema Nervoso central para produzir efeitos colaterais. Os receptores canabinoides estão concentrados em certas áreas do cérebro associadas ao pensamento, memória, prazer, coordenação e percepção do tempo. O THC se liga a esses receptores e os ativa e afeta a memória, o prazer, os movimentos, o pensamento, a concentração, a coordenação e a percepção sensorial e temporal de uma pessoa.

Ocorre que, subespécies da Cannabis, tal como a Cannabis sativa, possuem baixo teor do tetrahidrocanabinol, sendo reconhecida pelos cientistas pelos benefícios terapêuticos quando ministrada em doses corretas em medicamentos feitos à base de Canabidiol.

No caso da maconha, a planta por si só não é um remédio, porém, os componentes dela extraídos, se aplicados nas doses corretas após a formulação, podem ser utilizados para o tratamento de diversas doenças. (…) um dos componentes mais conhecidos para fins terapêuticos e medicinais é o Canabidiol (CBD).

Com essa descoberta, as discussões sobre a necessidade da regulamentação da maconha se expandiram, sendo por diversas vezes levados ao judiciário em casos específicos, principalmente envolvendo pessoas que necessitavam do uso recorrente de medicamentos à base da Cannabis para fins terapêuticos, e encontravam dificuldade em importar ao Brasil por ausência de regulamentação.

Nesse sentido, em 2019 a Anvisa liberou a venda de medicamentos à base de Cannabis sativa em farmácias somente para pessoas com prescrição médica, não sendo permitida a manipulação da substância, uma vitória para quem sofre com doenças crônicas e que lutavam para ter acesso aos medicamentos que funcionam como analgésicos ou relaxantes, entretanto, o processo ainda é burocrático.

(…) foi aprovado o primeiro produto de Cannabis pela Anvisa. Trata-se de produto à base de canabidiol com concentração de 200 mg/mL. No dia 22 de fevereiro deste ano foram aprovadas duas novas concentrações para este produto à base demcanabidiol, 20 mg/Ml e 50 mg/mL.

 

O regulamento prevê que o comércio dos produtos de Cannabis será feito exclusivamente mediante receita médica de controle especial. As regras variam de acordo com a concentração de tetra-hidrocanabinolm(THC). Nas formulações com concentração de THC de até 0,2%, o produto deverá ser prescrito por meio de receituário tipo B, com numeração fornecida pela Vigilância Sanitária local e renovação de receita em até 60 dias.

Já os produtos com concentrações de THC superiores a 0,2% só poderão ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas de tratamento. Nesse caso, o receituário para prescrição será do tipo A, com validade de 30 dias, fornecido pela Vigilância Sanitária local, padrão semelhante ao da morfina, por exemplo.

Apesar da regulamentação do Canabidiol (CBD), seu uso é escasso e de difícil acesso, sendo necessário a importação do extrato da Cannabis sativa pelos fabricantes que queiram comercializar no mercado (a planta em si não pode ser importada), pois, o cultivo da maconha ainda que seja para fins medicinais no Brasil foi rejeitado pela Anvisa.

 

Ainda assim, existem casos específicos que mesmo sem a anuência da Anvisa, o STJ permitiu o plantio da planta, pois, cada caso está sendo analisado individualmente pelo Poder Judiciário.

 

Um dos embates mais tensos nessa seara foi travado neste ano pela Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace Esperança),que teve sua liminar de cultivo, extração e fornecimento de óleo cassada e retomada por decisões judiciais num espaço de sete dias, entre fevereiro e março. Na última sentença, também provisória, a instituição que atende famílias de usuários de canabinoides foi instada a regularizar situações pendentes na Anvisa. De acordo com o diretor jurídico da instituição, Yvson Cavalcanti de Vasconcelos, o projeto do laboratório foi aprovado pela Vigilância Sanitaria de João Pessoa e pela Anvisa e aguarda o Alvará da obra ser aprovado pela Prefeitura de João Pessoa. Em seguida entrará na fase de cotação para o início da reforma.

 

Só em 2020, foram importados cerca de 45 mil produtos à base da Cannabis.

A autorização permite que pessoas físicas ou seus representantes legais importem o produto por um período de dois anos. Os critérios estão na RDC nº 335/2020.

Segundo o pesquisador e neurocientista Renato Malcher Lopes, a maioria dos pedidos para importação de medicamentos com a Cannabis seriam para o tratamento da epilepsia, autismo, fibromialgia, Alzheimer, depressão, Parkinson, câncer e dores diversas.

Recentemente, houve a quebra da patente da Canabidiol (CDB) que detinha a farmacêutica paranaense Prati-Donaduzzi, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), para o fim do monopólio do medicamento, o que irá permitir que mais empresas possam produzi-lo, e assim, facilitar o acesso a quem precisa, diminuir os valores e aumentar a produção nacional.

A decisão abre caminho para outras empresas do setor farmacêutico produzirem produtos com CBD, uma vez que, atualmente, os óleos da Prati-Donaduzzi são os únicos com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para venda em farmácias.

Desta forma, a Prati-Donaduzzi perdeu a exclusividade na produção e venda de medicamento à base de CBD diluído em óleo de milho, que auxilia nas crises de ansiedade e epilepsia.

 

Atualmente, o maior embate para regulação da Cannabis no Brasil é a permissão do cultivo da planta para fins medicinais. Nesse sentido, caminha a PL Nº 399/2015, que atualmente se encontra Aguardando Deliberação do Recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA):

 

Ementa
Altera o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação.

 

Segundo o deputado relator da PL, Luciano Ducci, o objetivo da regulamentação não é abrir espaço para o mercado de drogas ilícitas nem cultivo individual, mas sim garantir métodos seguros e controlados de plantio.

Ainda assim, a Anvisa não é a favor da liberação do cultivo, pois, uma vez permitido, não seria possível fiscalizar todo e qualquer plantio, muito menos qual o real destino que a planta estaria tomando. Deste modo, a produção poderia acabar sendo voltada ao uso recreativo, assunto que no Brasil ainda é veemente repudiado, apesar da permissão em massa em diversos outros países.

Enquanto o cultivo no Brasil não é permitido, a maior parte da Cannabis que entra no país vem do plantio de mais de 20 mil paraguaios. O Paraguai é hoje, o maior produtor de maconha da América do Sul.

Desta forma, apesar de ser um grande avanço para ciência a regulamentação pela Anvisa da Cannabis sativa, exclusivamente voltada à saúde, o assunto continua sendo visto como tabu, alimentando debates acerca da liberação da maconha para diversos fins, o que caminha a passos lentos pela cultura da região. 

Assim, a utilização da planta unicamente para diversão é proibida no país, sem previsão de regulamentação, e a sua distribuição é vista como tráfico de drogas, proibida pela Lei A lei 11.343/2006, com pena prevista de 5 a 15 anos de reclusão e pagamento de multa de 500 a 1500 dias-multa.

Segundo o mencionado artigo, são caracterizados como crime os atos de: “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente”.

Um dos argumentos utilizados pelos que apoiam a discriminação do uso da Cannabis para fins não medicinais, é a diminuição do tráfico de drogas, aumento da economia do país e campanhas de uso consciente. 

De acordo com um estudo realizado para a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados nomeado de “Impacto econômico da legalização da cannabis no Brasil”, o comércio formal de maconha movimentaria R$ 5,7 bilhões no país.

Atualmente, 42 nações permitem o uso medicinal da Cannabis e outras cinco, o uso recreativo. A estimativa é de que nos próximos cinco anos, 60 países terão de alguma forma autorizado o uso da erva para fins diversos.

Embora o mercado ainda seja modesto, na Europa a tendência é que a Alemanha encabece a lista dos países que avançarão no mercado e pode chegar a representar 2/3 do mercado Europeu, seguida por Itália, que regulamentou o uso medicinal da cannabis em 2013, e Reino Unido, que demonstram sinais de crescimento exponencial, seguidos por França, Holanda e Suíça.

Na América Latina, por sua vez, apenas dois países permitem o uso recreativo da cannabis. O pioneiro, Uruguai, aprovou em 2013 a lei que permite o cultivo da cannabis para autoconsumo, além do México, em junho de 2021. A votação da Suprema Corte, por 8 votos contra 3, acabou por permitir que adultos se registrem para obter licenças que lhes permitam o cultivo e autoconsumo.

 

No que tange o uso medicinal, no entanto, Brasil, Argentina, México, Equador, Argentina, Colômbia, Peru, Porto Rico e Chile, sendo esse último o terceiro país que mais consome cannabis no mundo. Um estudo realizado pela CICAD (Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas) revelou que 14,5% da população chilena consome cannabis. 

 

No último, ano o Equador emitiu, através de seu Ministério da Agricultura, uma série de regulamentações para a emissão de sete tipos de licenças que preveem o cultivo comercial e atividades de colheita com certas variedades de cannabis, ao ar livre e também em estufas.

A legislação equatoriana dispõe que, para que a semeadura e a colheita da cannabis medicinal sejam legais, o cultivo deve conter apenas 1% de THC (Δ9-tetra-hidrocanabinol), o canabinóide mais abundante da cannabis e que produz seus efeitos psicoativos.

 

O último dos países sul americanos a regulamentar o uso terapêutico da cannabis, a Argentina, em 2021 passou a autorizar o uso por pacientes (ou seus familiares), organizações e pesquisadores. Além de medicamentos à base de cannabis serem fornecidos pela rede pública do país, também poderão ser comercializados em farmácias.

 

 Nos Estados Unidos o uso da cannabis é proibido a nível federal desde a década de 30, no entanto, cabe a cada Estado legislar e regulamentar o seu uso, seja recreativo ou terapêutico da cannabis. Dos seus 50 Estados, atualmente 37 autorizam o uso para fins medicinais, muito embora grande parte deles também limite o teor do THC.

 

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No primeiro semestre de 2021, o Estado de Nova Iorque sancionou a lei que autoriza o uso recreativo por adultos, além da possibilidade de cultivo de até seis pés de maconha, para uso pessoal, e a comercialização da cannabis em pontos autorizados. Com essa autorização, estima-se que o Estado poderá movimentar uma quantia próxima de 4 bilhões de dólares ao ano. 

A lei, no entanto, ainda não está em vigor. Um conselho formado por parlamentares do Estado tem agora a tarefa de discutir e regulamentar o comércio. Bairros, através de seus representantes, poderão se manifestar caso não desejem que estabelecimentos neles localizados comercializem a maconha.

Tendo em vista a crescente aceitação da sociedade, a regulamentação da cannabis se tornará necessária, trazendo inúmeras possibilidades em um ainda incipiente, porém promissor, mercado global.

 

Referências Bibliográficas: 

4 dúvidas (e respostas) sobre a regulação da cannabis no Brasil

https://cannalize.com.br/thc-o-que-e-efeitos-riscos-e-formas-de-consumo/ 

https://www.blogs.unicamp.br/descascandoaciencia/2020/02/08/cannabis-maconha-diferenca

https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-registra-dois-novos-produtos-a-base-de-cannabis

https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021/07/cannabis-medicinal-realidade-a-espera-de-regulamentacao