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O uso de trechos de músicas na moda

Uso de trechos de música em roupas

Por Aline Brito S. Souto Maior.

No universo fashion é comum o uso de trechos de música em estampas de roupas, especialmente de camisetas. Contudo, qual é o limite para o uso lícito da obra musical protegida por direitos autorais?

Em primeiro lugar, denota-se que a proteção dos direitos autorais encontra amparo no artigo 5º, inciso XXVII da Constituição Federal.

Adicionalmente, é importante ressaltar que a Lei 9.610/98 disciplina os Direitos Autorais em território nacional, obedecendo aos ditames da Convenção de Berna, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, que versa sobre Direitos Autorais na esfera internacional. 

Nesse sentido, o artigo 7º da Lei 9.610/98, garante a proteção, dentre outras obras, das composições musicais:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

(…)

V – as composições musicais, tenham ou não letra;

Portanto é inequívoca a proteção dos direitos autorais das letras de músicas e segundo o art. 29, incisos I e X, do mesmo diploma legal depende de autorização prévia do autor a reprodução parcial ou integral e em qualquer modalidade:

Ademais, convém citar o art. 9º da Convenção de Berna que disciplina algumas limitações ao direito do autor:

Artigo 9.º

1) Os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução destas obras, de qualquer modo ou sob qualquer forma que seja.

2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor.

Porém, existe a discussão sobre a permissão ou não do uso de pequenos trechos para fins comerciais. Sobre a reprodução de pequenos trechos, a legislação de direitos autorais, em seu art. 46, inciso VIII, aduz o seguinte:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

(…)

VIII – a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

A problemática reside no termo “pequenos trechos” inserida na legislação vigente, visto que tal expressão é vaga, lacônica, bem como, não possui um conceito definido e aplicável para todos os casos, deste modo, a interpretação para a limitação dos direitos autorais pode variar muito de acordo com a situação fática.

Acerca da reprodução de “pequenos trechos”, convém citar os ensinamentos do doutrinador Plínio Cabral:

“A importância desse item reside no fato de que certas obras, especialmente didáticas, pela sua natureza, muitas vezes requerem a reprodução de trechos de obras preexistente ou, ainda, de obras de artes plásticas integrais. A premissa básica dessa liberdade legal é que a transcrição da obra preexistente não constitua o objetivo em si da obra nova. Não pode substituir a obra transcrita de tal forma que “cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores … A regra básica aplicada é simples: retirando-se da obra nova o texto ou a ilustração ela deverá continuar existindo, tendo lógica, princípio, meio e fim. O material utilizado deve, portanto, ser absolutamente acessório. Retirado, não afeta a integridade da obra nova”

 

A doutrina, portanto, conceitua que o uso de pequenos trechos deve ser realizado com fins especialmente didáticos (assim o uso comercial estaria excluído neste âmbito) e aponta para a necessidade de se analisar no caso concreto se a referida utilização de “pequenos trechos” é um mero acessório na obra nova ou a compõe integralmente. 

Para melhor interpretarmos a questão, cabe recorrer ao preceito americano do Fair Use (Uso Justo) que determina alguns critérios para mensurar o nível de proteção de uma obra intelectual, como é o caso das músicas:

  1. A obra musical deve ser criativa para ter uma proteção ampla, ou seja, quanto menor a criatividade da música, menor será sua proteção;
  2. O teor/quantidade da música reproduzida também é importante para se aferir se ocorreu ou não a violação, visto que pequenos e/ou irrelevantes trechos desconexos, não possuem proteção;
  3. Por último, é aferido, no direito americano, qual é o dano (moral e material) causado em decorrência da reprodução do trecho da música.

Os critérios acima descritos têm sido utilizados por analogia pela jurisprudência nacional para se aferir a possibilidade ou não do uso de pequenos trechos de música na moda.

De forma majoritária, o uso de trechos de músicas protegidos por direitos autorais para fins comerciais na indústria da moda e em larga escala, sem a expressa autorização de seus titulares, não tem sido tolerados pelos Tribunais brasileiros e tal conduta não tem sido caracterizada como uma limitação para a proteção dos direitos autorais pertencentes aos autores e compositores de músicas e melodias.

Um recente e emblemático caso, que é um exemplo do exposto, ocorreu na ação ajuizada pelos herdeiros dos direitos autorais das músicas do cantor Tim Maia, contra a empresa Reserva.

A empresa citada, utilizou pequenos trechos da música do cantor Tim Maia como estampas de suas camisetas, como por exemplo: Guaraná & Suco de Caju & Goiabada para Sobremesa, que ficou famosa no refrão da música “Do leme ao Pontal” e o refrão “Você e Eu, Eu e Você”, da música de título idêntico.

A empresa que atende pela marca Reserva, defendeu a possibilidade do uso com base no art. 46, inciso VIII, da Lei 9.610/98 e no Fair Use.

Os advogados da empresa Ré, afirmaram ainda que as expressões estampadas nas camisetas eram desprovidas de originalidade, portanto, não mereciam ser protegidas por meio de direito autoral.

Todavia, na ação citada sob nº 0250278-57.2016.8.19.0001, que tramitou na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro – RJ, entendeu-se pelo provimento integral dos pedidos dos Autores (Espólio do cantor Tim Maia), condenando a empresa responsável pela marca Reserva, em 1ª instância, a indenizar os Autores em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) em danos morais, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento.

Posteriormente, em sede de Apelação, a decisão de mérito foi mantida e o valor da indenização relativo à violação de danos morais foi elevado pelo Tribunal para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Diante disso, é aconselhável que se tratando de reprodução de trecho significativo de obra musical original busque-se a autorização dos titulares dos direitos autorais.

A autorização para o uso de obra protegida por direitos autorais, para fins comerciais, pode ser realizada por meio de licença e cessão, sendo que a licença, em geral, é por tempo determinado e pode ser gratuita ou onerosa.

Já na cessão, que também pode ser à título gratuito ou oneroso, ocorre a transferência dos direitos patrimoniais do autor, porém, este ainda será o detentor dos direitos morais vinculados à obra, que dada a sua natureza pessoal não podem ser transferidos para terceiros. 

A licença e a cessão devem ser formalizadas mediante a elaboração contratos específicos, redigidos de acordo com o caso concreto e o uso pretendido.

Uma outra solução para o uso livre de pequenos trechos ou mesmo trechos maiores de música na moda e para fins comerciais é o uso de obras que estão em domínio público.

Dentre o acervo de obras musicais que estão em domínio público, podemos citar as músicas do sambista Noel Rosa e da cantora e compositora Chiquinha Gonzaga.

A conhecida música “O Abre Alas” é de autoria de Chiquinha Gonzaga e foi utilizada pela marca FARM em uma de suas estampas e lançada especialmente no carnaval. Este caso é um clássico uso seguro de trechos de música, visto que a referida obra já estava em domínio público, porém, como ainda é bastante popular teve o efeito impulsionador de vendas desejado somado a sinergia entre a música escolhida e a marca.

Além disso, é possível fazer uso de expressões que efetivamente são de uso comum e, portanto, não possuem proteção, conforme abaixo:

 

ILEGITIMIDADE PASSIVA Ação de indenização fundada em ofensa a direito autoral Empresa concessionária de rodovia Ato praticado por empresa administradora de modalidade de pedágio Ilegitimidade daquela Reconhecimento Preliminar acolhida Decisão mantida. CONTESTAÇÃO Rés representadas por advogados diferentes Prazo em dobro Notícia do diverso patrocínio antes de vencido o prazo singelo Regularidade Contestação ofertada tempestivamente Preliminar rejeitada. RESPONSABILIDADE CIVIL Alegação de uso indevido de obra musical pelas rés por meio de outdoors de trecho de música que teria sido composta pelo autor (Por que Parou? Parou Por que?) Dúvida fundada acerca da originalidade e da autoria da música, inocorrência de ofensa ao direito autoral ou de ilicitude no uso da expressão, porque utilizada sem guardar relação com a música, e porquê de domínio público e do gosto popular, com significados e em contextos diversos Inexistência, ademais de prejuízo para o suposto autor da obra musical Sentença mantida. Apelação não provida.

(TJ-SP – APL: 9162883282006826 SP 9162883-28.2006.8.26.0000, Relator: João Carlos Saletti, Data de Julgamento: 08/11/2011, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/11/2011)

A decisão judicial considerou que a expressão utilizada corriqueiramente e não possuía conexão direta e imediata com apenas uma música, sendo permitido o uso independente de autorização prévia.

Mas é preciso cuidado, pois é necessária uma análise cautelosa para se identificar o que de fato é uma música em domínio público ou expressão de uso comum.

A solução, relativa ao uso de obras em domínio público e expressões comuns, tem se mostrado muito relevante para o seguimento da moda, visto que existe um vasto acervo de obras nessa situação (musicais ou não) e que podem ser utilizadas livremente, sem a necessidade autorização ou licença.

No Brasil, o prazo para que uma obra entre em domínio público é contado a partir do primeiro dia do ano subsequente à morte do autor, assim, em 70 anos a obra estará disponível para o uso livre.

É preciso atenção ao prazo das obras internacionais que podem variar de acordo com o país de origem.

Ainda tratando-se do uso de trechos de música em domínio público, é relevante dizer, os direitos morais do autor são imprescritíveis, por isso, a integridade da obra deve ser respeitada, não devem ser realizadas reproduções ou usos que sejam contrários a moral do autor e o nome do autor deve de preferência ser citado na eventual reprodução.