fbpx

Cenário de patentes relativas à cannabis no Brasil

Patentes relativas à cannabis no Brasil

Cannabis é uma angiosperma, atualmente cultivada em várias regiões de todo o mundo, e possui três diferentes tipos: Cannabis sativa, Cannabis indica e Cannabis ruderalis. O que as difere são, basicamente, os níveis de THC, delta 9-tetrahidrocanabinol, e CBD, canabidiol de cada.

A história da maconha no Brasil se confunde com seu próprio descobrimento, uma vez que os primeiros registros denotam que a planta, makana, foi trazida por escravos, em meados de 1549, em embarcações que já se utilizavam da fibra do cânhamo[1] em suas velas e cordames.

Seu uso, até então, embora majoritariamente por escravos, era feito livremente, e foi apenas no século XVIII que a Coroa Portuguesa se pronunciou oficialmente sobre o tema, no sentido de incentivar a cultura da cannabis. Em 1783 foi constituída no Sul do Brasil a Real Feitoria do Linho-cânhamo (RFLC), uma empresa escravista de cultivo de cânhamo para fins comerciais.

Em 1830, no entanto, foi promulgada no Brasil a primeira lei que proibia o comércio e uso da maconha. À época, carregando um viés racista, a pena destinada aos traficantes, brancos e de classe média, era mais branda do que aquela destinada aos usuários. Dizia a lei: “É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia”.

E a partir de então deu-se início ao tabu, que insiste em perdurar até os dias atuais.

Muito embora o uso medicinal da cannabis remonte à 2373 AC, quando o imperador Chinês ShenNeng prescrevia chá de maconha em casos de reumatismo, malária, entre outros, foi somente no século XIX que os primeiros estudos e artigos sobre o tema começaram a ser publicados.

Em 1889 a revista The Lancet, até hoje uma das principais revistas científicas do mundo, publicou um artigo de autoria de PhD EA Birch que defendia o uso da Cannabis sativa L no tratamento de casos de dependência de ópio, porquanto a cannabis, além de diminuir o desejo de uso do ópio, também funcionaria como antiemético.

Em 1961, no entanto, a ONU, durante a Convenção Única de Entorpecentes, incluiu a cannabis em suas listas I e IV, passando a considerá-la potencialmente prejudicial à saúde, sendo comparada até à heroína. Somente em novembro de 2018 que o ECDD (Expert Committee on Drug Dependence) da Organização mundial de Saúde (OMS) propôs que a cannabis, resina de cannabis e demais subprodutos fossem reclassificados.

Já em 1981, foi publicado no J ClinPharmacol[2] artigo de autoria do Prof. Dr. Elisaldo Carlini, um dos principais estudiosos da cannabis no Brasil, acerca dos efeitos benéficos do CBD no controle de crises convulsivas.

No início dos anos 2000 o sistema endocanabioide (SECB) passou a ser estudado com mais afinco por cientistas no mundo inteiro e foram descobertos os canabinoides endógenos, ou seja, produzidos pelo próprio organismo, anandamida (N-araquidoniletanolamida) e 2-araquidonilglicerol (2-AG), dos receptores primários CB1, clonado pela primeira vez em 1990 e CB2, clonado em 1993, e das enzimas relativas aos seus metabolismos.

Em comparação com outros países, o Brasil sempre esteve aquém na regulamentação do acesso às terapias com cannabis e somente em 2015 avançou em assuntos regulatórios da cannabis medicinal, com a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada No. 17/2015. Nesta RDC, definiu-se os critérios e procedimentos para a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol (CBD) associado a outros canabinoides, por pessoa física, para fins exclusivamente medicinais. Para tanto, era necessária prescrição de profissional legalmente habilitado para que o tratamento de saúde fosse comprovado.

A Agência de Vigilância Sanitária, ANVISA, incluiu, em 2017, 19 novas substâncias na lista das Denominações Comuns Brasileiras (DCB), dentre elas a Cannabis sativa. Muito embora a inclusão, per se, não trouxesse quaisquer alterações nas regras de importação, reconhecia a cannabis como potencial “planta medicinal”, o que veio a ocorrer em 2019.

Os últimos anos foram marcados por discussões sobre o que atualmente encontra-se sob estado da técnica e o que é patenteável neste segmento.

A cannabis e os derivados de fitocanabinoides são atualmente considerados parte da etnofarmacologia. Em outros termos, consistem em um tratamento em potencial a partir do conhecimento popular e empírico, que, no entanto, não podem ser patenteadas, conforme os artigos 10 e 18 da Lei No. 9.279/96, que rezam:

Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade:

(…)

IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

Art. 18. Não são patenteáveis:

(…)

III – o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.

 

Suas diferentes espécies e cruzas, no entanto, são passíveis de proteção por meio do registro de cultivares no RNC.

O processo de extração ou de obtenção do produto podem, em alguns casos, igualmente não ser patenteáveis, por já estarem compreendidos no estado da técnica.

Assim, vê-se que a grande maioria dos pedidos de patente depositados perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, INPI, tratam-se de composições e formulações de canabinoides.

Cabe ressaltar que na Lei 10.196/01 trouxe à baila, em seu artigo 229-C, a obrigatoriedade da anuência por parte da ANVISA em caso de patentes de medicamentos:

Art. 229-C.  A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.

 

Tal anuência visa, basicamente, evitar a concessão de patentes que tragam risco à saúde pública, conforme previsão no artigo 4º da RDC No. 168/17, que reza:

Art. 4°. Após recebimento dos pedidos de patente encaminhados pelo INPI, a Anvisa analisará tais pedidos à luz da saúde pública e concluirá pela anuência ou não anuência, mediante decisão consubstanciada em parecer técnico emitido pela unidade organizacional competente no âmbito da Agência.

  • 1º Considera-se que o pedido de patente será contrário à saúde pública quando o produto ou o processo farmacêutico contido no mesmo apresentar risco à saúde.
  • 2º O risco à saúde será caracterizado quando o produto farmacêutico compreender, ou o processo farmacêutico resultar em substância cujo uso tenha sido proibido no país.
  • 3º O requerente deverá apresentar à Anvisa, sempre que solicitado, por meio de exigência, todos os documentos necessários para esclarecer dúvidas surgidas durante o exame.
  • 4º Até o final da análise de que trata esta Resolução, será facultada a apresentação, pelos interessados, de documentos e informações que a subsidiem.

 

A ANVISA conduz suas avaliações pela consulta às Listas E (Lista de Plantas Proscritas que podem originar substâncias entorpecentes, psicotrópicas, percursoras e outras sob controle especial) e F (Lista das substâncias de uso prescrito no Brasil), trazida originalmente pela Portaria SVS/MS n° 344/1998. Ambas as listas atualizadas, pela RDC No. 404/2020, estão disponíveis para consulta em https://www.crf-pr.org.br/uploads/noticia/40409/hX8o79xkKY4qd5SuUnXOYyTuxXs2-7bp.pdf. Na lista E, a Cannabis sativa L. consta na relação de plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. Na lista F, temos o tetraidrocanabinol (THC).

Muito embora o cultivo, cultura, colheita e exploração da cannabis sigam proibidos e constituam crime de tráfico de drogas, conforme disposto na Lei de Drogas No. 11.343/06, a RDC 327/2019 abriu caminho para que pedidos de patentes ganhassem espaço nos últimos meses. Hoje, são dezenas de patentes em trâmite perante o INPI sobre o tema. Decerto tal regulamentação garante o desenvolvimento de um nicho de mercado promissor, proporcionando, em tese, um sistema concorrência

 

Referências:

[1] Planta de Cannabis cultivada por suas sementes, fibras e caule. As sementes são usadas na produção de alimentos, suplementos nutricionais, medicamentos e cosméticos. O caule e suas fibras são usados na produção de papel, tecidos, cordas, compostos plásticos e materiais de construção.

Fonte: https://hempmedsbr.com

[2] J ClinPharmacol, 1981 Aug-Sep;21(8-9 Suppl):417S-427S.